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Publicado em O Estado de S. Paulo, 11/04/00

Queda no desemprego e informalidade na Espanha

A Espanha é o contra-exemplo mais citado para se "provar" o fracasso da modernização das instituições do trabalho. Costuma-se citar que, naquele país, o desemprego explodiu depois da introdução de leis mais flexíveis.

A reforma trabalhista espanhola de 1994 não teve nada de revolucionária. E nem teve continuidade pois, muitas medidas, foram revogadas antes de serem implantadas. Foi uma típica reforma de stop-and-go.

Mas, o que fez a Espanha no campo trabalhista? A reforma de 1994 transformou alguns direitos inegociáveis em direitos negociáveis – tais como, a jornada de trabalho e a estrutura salarial, criando, ainda, os contratos por prazo determinado e tempo parcial. Simultaneamente, foi atenuada a rigidez de certas regras de demissão. A reforma de 1997, deu mais um passo, ao reduzir os encargos sociais na contratação por prazo indeterminado.

O que resultou de tudo isso? A Espanha passa por uma enorme transformação. Entre 1996-99, a economia cresceu 20% e o emprego formal, 13%! O desemprego despencou de 24% para 15% e os inscritos no seguro-desemprego caíram de 22% para 10%. A informalidade baixou de 12% para 8%.

É sabido que as mudanças na legislação trabalhista, sozinhas, não resolvem, de imediato, os problemas de desemprego e informalidade, mesmo quando combinadas com crescimento econômico. Os efeitos levam tempo para aparecer. O caso da Espanha não é diferente. Em 1999, depois de quase cinco anos de crescimento e flexibilidade, os novos empregos aumentaram 5% – a maior taxa da Europa. Mais de 2 milhões de postos de trabalho foram criados de 1996-99.

Da mesma forma que não se pode reduzir o sucesso espanhol às mudanças trabalhistas, não se deve atribuir todo o êxito ao crescimento econômico. Outros países da Europa, que também cresceram de forma expressiva, apresentaram resultados pífios no campo do emprego, como é o caso da Alemanha, França e Itália.

No caso espanhol, as novas instituições garantiram a redução do custo unitário do trabalho, o aumento de horas trabalhadas e a elevação da produtividade – tudo isso associado a uma força de trabalho de alta qualidade.

Na Espanha, o custo da hora trabalhada está em torno do equivalente a US$ 12.00, enquanto que na maioria dos países da Europa, varia de 30% a 70% acima. A jornada anual de trabalho é de 1.900 horas, ao passo que na Alemanha e França, por exemplo, é de 1.600 (Instituto Español de Comercio Exterior, Madrid, 1999).

A reeleição de José Maria Aznar foi bastante divulgada pela imprensa brasileira. Mas foi minguado o espaço dedicado à explosão de empregos que ocorre no seu País. A maioria dos analistas ainda dissemina a idéia de que a modernização das leis trabalhistas é responsável por uma taxa de desemprego que ficou para trás (24%), ignorando que o País tem um plano para chegar aos 8% até 2004.

Inúmeros estudos demonstraram os choques econômicos dos anos 70 e 80 machucaram muito mais a Espanha do que outros países devido, fundamentalmente, à rigidez das instituições do trabalho (Jeffrey R. Franks, "Explaining Unemployment in Spain, 1995; Juan J. Dolado e Juan F. Jimeno, "The Causes od Spanish Unemployment", 1997).

As ineficiências da velha autocracia de Franco foram travestidas em novas ineficiências no sistema neo-corporativista criado pelos pactos sociais – mantendo, quase intacta, a rigidez anterior. O Estatuto de los Trabajadores de 1980, juntamente com as regras legais restritivas do velho franquismo, por exemplo, formaram as chamadas Ordenanzas Laborales, que impuseram uma forte rigidez ao mercado de trabalho da Espanha.

Nesse ponto, vê-se uma semelhança com o que ocorre no Brasil dos dias atuais. A maioria das medidas pseudo-modernizantes, aprovadas na década de 90, foi esterelizada por empecilhos neo-corporativistas. Por exemplo, para um trabalhador aproveitar uma vaga em regime de prazo determinado, a Lei 9.601/98 exige que o sindicato da categoria dê a sua benção.

Esse direito de veto colocou o destino dos excluídos (desempregados) nas mãos dos incluídos (dirigentes sindicais) que tomam a decisão em uma assembléia da qual os pretendentes à vaga não podem participar pois, afinal, por serem excluídos, eles não fazem parte nem da empresa que deseja contratá-lo e nem do sindicato que "gerencia" a sua vida. Esse tipo de rigidez se repete em inúmeras outros diplomas legais recentes, que tornam as novas leis tão rígidas quanto as antigas.

Por isso, o Brasil tem de decidir se deseja criar facilidades para se trabalhar de forma legal ou se quer continuar na situação atual onde, para cada cem novos postos de trabalho criados, 90 são no mercado informal. Será que os 45 milhões de brasileiros que estão na informalidade podem ser formalizados por mera ação fiscalizadora?