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Publicado no Jornal da Tarde, 11/07/2001

O combate à discriminação

Em artigo publicado em O Estado de S. Paulo de 13/03/2001 ("Discriminação no trabalho"), procurei mostrar que os recrutadores de pessoal ainda valorizam muito a aparência para admitir, remunerar e promover os funcionários.

Recebi muitos e-mails de leitores que viram na publicação uma defesa dessa abominável prática. Ledo engano. Sou visceralmente contra toda e qualquer tipo de discriminação no trabalho.

Escrevi o artigo porque há vários projetos de lei tramitando no Congresso Nacional, procurando proibir o uso da expressão "boa aparência" nos anúncios de jornais destinados a recrutar pessoas.

De fato, há abuso. São cada vez mais frequentes os anúncios que pedem "moças de boa aparência, manequim 42, solteira, livre e desinibida" – traços que nada tem a ver com a competência exigida pelo posto de trabalho.

Se, de um lado, isso é repreensível, de outro, pergunto: a lei será capaz de estancar a valorização da aparência no mercado de trabalho? Tenho dúvidas. Uma coisa é proibir o jornal de usar esta ou aquela palavra nos anúncios classificados, confessando aqui, entretanto, a minha ignorância à respeito dos limites da lei de imprensa. Outra coisa é achar que isso vai mudar o comportamento dos recrutadores.

O conceito de boa aparência varia de pessoa para pessoa e até mesmo de profissão para profissão. Para uma atriz de televisão ou modelo de propaganda, esse traço pode ser essencial. Mas, entre fotógrafos de jornais, por exemplo, poucos esperam que esses profissionais sejam modelos e apareçam de terno e gravata para fotografar a rebelião do Carandirú.

Boa aparência é um conceito subjetivo e composto de várias dimensões. Em igualdade de competência, nem sempre a beleza é o fator decisivo. O asseio, a boa apresentação, a simpatia e as boas maneiras contam muito. São raros os empregadores que buscam pessoas despossuídas de todas essas dimensões simultaneamente. Mais frequentes são os que, entre duas pessoas competentes, aceitam, por exemplo, a simpatia e as boas maneiras, como compensação da falta de atração física.

Para o mesmo nível de competência, a valorização da aparência é universal. Entretanto, os estudos mostram as limitações da lei como elemento de coação para os empregadores contratarem funcionários de má aparência.

Há muita variação cultural nesse terreno. A cultura brasileira valoriza muito os elementos físicos, em especial, o corpo, a estatura e aos traços do rosto. Entram aí, é claro, os ingredientes de raça, cor da pele e eventual deficiência.

Num ensaio clássico, Becker, Prêmio Nobel de Economia, diz que a intensidade da discriminação pode ser medida pela diferença de remuneração e dificuldade de conquistar um emprego (Gary S. Becker, The Economics of Discrimination, University of Chicago Press, Chicago, 1957).

Muitos países adotaram sistemas de cotas para forçar os recrutadores a aceitar pessoas que nem sempre têm a aparência esperada pela empresa. Os resultados foram limitados. Em muitos casos, houve até agravamento do problema. A coação legal, inicialmente, provocou um grande número de ações judiciais, fazendo aumentar a segregação e o conflito.

Por isso, na procura de uma solução legal para conter a discriminação no Brasil no campo da aparência – que não pode ser negada - seria bom evitar a implantação de reservas de mercado que, na verdade, constituem um tipo de "discriminação invertida". Infelizmente, a maioria dos projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, está nessa direção. Eles pretendem estender o sistema de cotas para negros, mulheres, homossexuais, e outros grupos. Isso pode gerar mais calor do que luz pois, uma vez aprovado, é praticamente impossível revogar o sistema de cotas.