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Publicado em O Estado de S. Paulo, 26/07/2008.

Risco de maldade

Não é a primeira vez que o Congresso Nacional é instado a praticar uma boa ação que, no final das contas, pode se tornar uma maldade. No momento, é a Convenção 158 da OIT. A intenção é das melhores: proteger os empregados contra a dispensa sem justa causa.

Mas é preciso examinar a proposta com cuidado para se ter certeza de que os brasileiros serão realmente protegidos. Este é o objetivo deste artigo. Antes, porém, convém explicar em que consiste a proposta ora em discussão.

A Convenção 158 da OIT estabelece que a empresa só pode dispensar um empregado se estiver em dificuldade econômica ou passando por remodelação tecnológica. Pode dispensar ainda quando o empregado não tem o desempenho necessário.

Nos três casos, o empregado pode contestar o motivo alegado. Isso é feito por meio de cartas, reuniões, negociações diretas ou com ajuda do sindicato e centrais sindicais e, se ocorrer um impasse, este é decidido por um juiz que dispensa ou reintegra o empregado, podendo haver recurso de ambas as partes, o que pode demorar meses ou anos – o que causa grandes despesas para as duas partes.

Aparentemente, o empregado estaria protegido durante todo esse período. Mas, qual é a implicação desse sistema para o emprego em geral? Muito simples: toda vez que se dificulta a dispensa, inibe-se a contratação.

O que dizem as pesquisas? Os países que optaram por esse sistema têm uma enorme dificuldade de criar empregos porque os empresários relutam em abrir vagas quando sabem que a dispensa é difícil e onerosa.

Este aspecto merece todo o cuidado dos que pensam nas conseqüências sociais. O Brasil está numa boa fase de crescimento e de geração de empregos. Mais. O país está conseguindo criar muitos empregos formais, com proteções trabalhistas e previdenciárias. Seria catastrófico que uma medida que tem por finalidade proteger os empregados venha a inibir a geração de empregos ou jogar as pessoas na informalidade. Os maiores perdedores seriam os trabalhadores, em especial os mais jovens que, segundo estudos do IPEA têm uma dificuldade 3,5 vezes superior à dos adultos para entrar no mercado de trabalho.

O Brasil precisa de leis simples que estimulem o emprego. Não podemos esquecer que a população brasileira é enorme e continua crescendo. São quase três milhões de jovens que precisam ser empregados todos os anos – sem falar no estoque dos que estão desempregados ou no mercado informal. Com uma medida desse tipo, tudo será mais complicado para eles. As empresas restringirão as contratações ao mínimo, procurando recrutar apenas os trabalhadores de altíssima qualificação, deixando de lado a maioria que ainda tem educação precária e que precisa apreender no próprio trabalho.

Com a instalação desse regramento complexo, corremos o risco de instalar um quadro social dramático. É preciso lembrar que, se aprovada, a Convenção 158 só entrará em vigor depois de um ano, não estando descartada uma avassaladora onda de dispensas praticadas por empresas que procurarão substituir trabalho por máquina ou fazer parte de sua produção em outros países.

Há um outro agravante. Para os que forem dispensados pelo reconhecimento de sua incapacidade feito por um juiz, o desastre será maior. Quem se interessa por contratar uma pessoa que saiu de uma empresa com a marca de ineficiente decretada pela Justiça?

Está aí uma medida que, tendo as melhores das intenções do mundo, acaba se transformando numa verdadeira pena de morte para os que perdem o emprego e para os que precisam entrar no mercado de trabalho.

O Brasil possui um sistema de proteção muito mais moderno e adotado pela grande maioria dos países. Os empregados despedidos sem justa causa estão protegidos pelo aviso prévio, a indenização de 40% do FGTS, os recursos do próprio Fundo e o seguro desemprego. Na dispensa, eles têm a certeza de contar com essa cobertura. Na longa discussão exigida pela Convenção 158 os empregados ficam na incerteza meses a fio, podendo, no final da linha sair da empresa sem nada.

Os jovens brasileiros estão ávidos para trabalhar. As leis precisam facilitar a sua entrada, a sua permanência e a sua re-entrada no mercado de trabalho. O mercado de trabalho de hoje é dinâmico e renova-se constantemente. Se há algo a ser feito com urgência, é dar condições aos jovens para se treinarem e retreinarem continuamente. E também facilitar a sua inserção no mundo do trabalho como aprendiz e como estagiário, o que facilita o seu aprendizado e aprimora o sistema de recrutamento das empresas.