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Publicado em O Estado de S. Paulo, 23/08/2005.

Revolução trabalhista na Europa

A União Européia passa por uma verdadeira revolução trabalhista. O processo teve início em meados da década de 90 por força da concorrência da China e outros países da Ásia. Agora, o estopim são os dez novos membros que, em 2004, ingressaram na União Européia (Estônia, Hungria, Letônia, Lituânia, Polônia, Eslováquia, Eslovênia, República Checa, Malta e Chipre).

As diferenças nas condições de trabalho entre os blocos são fenomenais. No leste o salário da industria fica entre US$ 3 e US$ 6 por hora. As jornadas são longas, os benefícios são poucos e a negociação com os sindicatos é fácil. No oeste, os salários médios são de U$ 35 por hora, as jornadas são curtas, os benefícios são generosos e a negociação é difícil.

O Conselho da União Européia proibiu a migração do leste para o oeste. Conseqüência: as empresas do oeste passaram a migrar para o leste. A Alemanha implantou uma fábrica da Audi na Eslováquia. Ali os eslovacos oferecem-se para ajudar a tornar a empresa mais produtiva e lucrativa enquanto que na Alemanha os sindicatos pleiteavam jornada de 28 horas por semana, salários de US$ 50.00 por hora. Na Eslováquia seus colegas estão felizes com US$ 6.00 por hora e jornadas de 40 horas por semana. Quando há necessidade de trabalho extra, um novo turno é acertado em rápida conversa enquanto na Alemanha leva meses. Os alemães trabalham, em média, 1.440 horas por ano enquanto que os empregados do leste europeu trabalham, em média, 2.000 horas.

Ademais, as empresas do leste europeu têm uma mão-de-obra bem qualificada e com longa tradição industrial como é o caso da Hungria, Polônia, República Checa e outras. Quando se junta baixo custo com qualidade e flexibilidade, as ofertas ficam imbatíveis. Na produção de automóveis, salários e benefícios pesam cerca de 15%; na de auto-peças, pesam de 20% a 40%. Em 2004, só com pessoal, a Volkswagen da Bratislava economizou US$ 1.8 bilhão.

Isso faz muita diferença. Por isso, a General Motors transferiu a fábrica do Opel para Gliwice na Polônia; a Toyota européia e a Peugeout Citroen mudaram-se para Kolin na República Checa. A Hyundai mudou-se para Zilina, na Eslováquia. A Toyota vai abrir outra fábrica em Trnava também na Eslováquia.

Nesses países, as empresas estão se tornando as melhores plantas industriais do mundo. Entre 1995 e 2004, só as montadoras (fora as auto-peças) investiram mais de US$ 24 bilhões no leste europeu que, até 2010, produzirá 60% 14,5 milhões de veículos consumidos anualmente na União Européia ("Detroit East", Business Week, 25/07/2005). O corredor que vai de Varsóvia a Bucareste tornou-se um dos "lócus" mais atrativo em termos de trabalho, perdendo apenas para a China.

Com isso, a Europa do leste está se modernizando e gerando uma enorme quantidade de empregos. As estadas foram reconstruídas, os hipermercados modernos dominaram o varejo, novas e boas casas são erguidas a cada dia, restaurantes e clubes surgem aos milhares, os salários estão subindo e o poder de compra melhora rapidamente.

Esses movimentos mudam não apenas os dez novos membros ms também os antigos 15. Neles, profundas transformações estão ocorrendo nas relações do trabalho. Para segurar as empresas e os empregos, os sindicatos começam a adotar uma atitude mais cooperativa. Afinal só a indústria automobilística emprega 3 milhões de pessoas diretamente e 12 milhões indiretamente.

Tudo está sendo renegociado. Os salários encurtam e as jornadas alongam. Os benefícios diminuem e as negociações são mais flexíveis. Os exemplos são eloqüentes. Em face da ameaça da transferência de uma grande fábrica do Opel para a Polônia, os sindicalistas alemães concordaram com um congelamento de salário e benefícios até 2010. Além disso, negociaram trabalho à noite, sábados e domingos. Empresas como a Siemens e Bosch renegociaram seus contratos de trabalho, ampliando a jornada semanal de 35 para 40 horas - sem aumento de salários - em troca do compromisso das fábricas ficarem na Alemanha até 2012.

Os sindicatos sabem que se não cooperarem as fábricas vão embora, deixando para trás os desempregados e os sindicalistas. O interessante é que toda essa revolução das relações do trabalho está ocorrendo debaixo para cima, ou seja, do contrato para as leis, sem nenhuma restrição. Bem diferente é o caso do Brasil onde nada pode ser modificado nos contratos de trabalho porque a Constituição Federal e a CLT impedem. Até quando vamos conseguir competir no mundo globalizado com tamanho constrangimento legal?