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Publicado em O Estado de S. Paulo, 14/12/2004.

Mais juizes ou menos conflitos?

Em 11 de março de 2003 publiquei nesta coluna um artigo estimando o custo da Justiça do Trabalho. Usando dados de 2001, verifiquei que para solucionar um caso no valor de R$ 1.000,00 o sistema judiciário gastou, em média, R$ 770,00 – revelando uma taxa de retorno pouco recomendável.

Enfatizei que os juizes não tinham a menor culpa nesse cartório. Afinal, eles têm de cumprir uma lei que, esta sim, é esdrúxula, antiquada, onerosa e, ademais, desperdiça talentos ao submeter profissionais bem preparados ao exame cotidiano das mesmas reclamações individuais, numa rotina infernal: pendências de salário, horas extras, férias, 13º. salário, aviso prévio, abono de férias, etc.

Alguns magistrados criticaram o artigo publicado, argumentando não ser adequado "matematizar" as atividades de uma instituição que se destina a garantir os direitos dos cidadãos e manter a ordem jurídica da Nação, além de auxiliar o fisco na arrecadação de impostos e contribuições sociais.

Com todo o respeito àquelas opiniões, parece-me razoável querer saber quanto se gasta para fazer justiça no Brasil. Qual é a situação atual?

O ano de 2003 apresentou um aumento de processos em relação a 2002. Mas, as varas e os tribunais do trabalho também aumentaram de produção, tendo conciliado e julgado um maior número de casos. Por isso, esperava uma melhoria na relação entre despesas e resultados. O que aconteceu?

O Relatório Geral da Justiça do Trabalho de 2003 indica que entraram 1.706.778 reclamações trabalhistas novas, e foram solucionadas 1.640.958. Depois de realizadas as conciliações e proferidas as sentenças, foram pagos R$ 5.038.809.649,00 aos reclamantes.

Quanto se gastou para isso? Em 2003, a União repassou à Justiça do Trabalho R$ 5.233.811.531,00. Ou seja, o orçamento foi maior do que o valor pago aos reclamantes. Isso significa que, para resolver R$ 1.000,00, gastou-se mais de R$ 1.000,00 – uma taxa de retorno gravemente negativa.

A taxa fica ainda mais negativa quando se consideram as despesas das partes com advogados, prepostos, dias parados, tempo perdido, etc. Pior. O esforço de toda essa complexa máquina redundou no pagamento de um valor médio de R$ 3.070,00 aos reclamantes.

Apesar de ter 2.774 magistrados e 30.666 servidores, a Justiça do Trabalho não dá conta dos milhares de processos que entram diariamente. Em 2003, tramitaram nas varas e tribunais 2.456.327 ações -, computando-se os resíduos de anos anteriores. Na França e nos Estados Unidos foram cerca de 75 mil casos e no Japão 2.500. Não há quem agüente analisar e julgar 2,5 milhões de processos por ano. No Tribunal Superior do Trabalho, por exemplo, cada ministro recebeu em 2003, em média, 539 processos por mês para estudar e levar a julgamento - um absurdo!

Para complicar, a reforma do Poder Judiciário, recentemente aprovada, deu novas atribuições à Justiça do Trabalho que, doravante, julgará também os casos de trabalhadores autônomos, lides sindicais, danos morais e vários outros, antevendo-se um maior congestionamento.

Qual é a solução? Aumentar o número de juizes e servidores? Não! O que o Brasil precisa é diminuir o número de conflitos. Isto exige uma mudança de concepção na solução de conflitos trabalhistas. A base do direito do trabalho teria de se deslocar da lei para o contrato, dos tribunais para as mesas de negociação e dos julgamentos para os métodos voluntários de resolução de controvérsias – autocomposição, conciliação, mediação, arbitragem, etc.

Essa é a verdadeira agenda da reforma trabalhista. E é aqui que o carro pega porque a prevalente cultura do "garantismo legal" não acredita na negociação, mas apenas na lei. Os que assim pensam recusam transferir uma boa parte dos direitos da lei para o contrato negociado. Diferentemente da área cível, onde os contratos valem tanto quanto a lei – casamento, compra e venda, locação, etc. - os que temem a negociação querem manter na lei tudo aquilo que nas demais nações do mundo é matéria de acerto direto entre as partes, inclusive, os métodos de resolução de conflitos. Se isso não mudar, teremos de dobrar os quadros da Justiça do Trabalho em pouco tempo.