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Publicado no Jornal da Tarde, 26/11/2003.

Intermediários de intermediários

Ainda me lembro da sabedoria de Hélio Beltrão que foi o primeiro Ministro da Desburocratização no início dos anos 80. A sua nomeação foi contestada. Por que criar mais um ministério se a idéia é desburocratizar?

Beltrão lutou como um gigante. Simplificou muitos trâmites. Mas sua obra ficou inconclusa. Muita coisa que eliminou, acabou voltando. É o caso, por exemplo, do reconhecimento de firma. Lembram?

O Brasil continua sendo o paraíso dos carimbos, protocolos, despachantes, cartórios e corretores de toda a sorte. Não é a toa que para se abrir uma empresa, os brasileiros levam 152 dias enquanto que os americanos e os canadenses gastam cinco dias e os australianos apenas dois.

Somos um país em que, a cada inovação, surge uma corporação querendo tirar proveito dela. Por exemplo, a Medida Provisória 130 de 17/10/2003 criou a modalidade de empréstimo com desconto em folha de pagamento para baixar a taxa de juros. Uma bela iniciativa. Mas a inovação foi logo aproveitada pelas centrais sindicais e demais entidades sindicais - com raras exceções - que viram nela a possibilidade de faturar um dinheirinho...

Sim porque a própria MP permitiu a elas agirem como intermediárias e cobrarem comissões e "taxas de administração". Algumas chegaram a estabelecer 1% sobre um empréstimo contraído a uma taxa de juros de 1,75% ao mês, a serem pago, é claro, pelos tomadores do dinheiro e não pelos bancos. Outras entidades, mais sofisticadas, procuraram utilizar a brecha da MP para aumentar seu quadro de sócios e destes cobrar as mais variadas contribuições - associativa, confederativa, negocial, etc.

É o país dos espertos... para não dizer outra coisa. É uma violenta contradição querer baixar juros e criar intermediários que aumentam juros. Afinal, os bancos já são intermediários financeiros. Por que colocar mais um intermediário no meio?

Ademais, facilitar a vida do filiado e penalizar os que não são filiados constitui uma afronta a leis ordinárias, à Constituição Federal e ao princípio de liberdade sindical da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é membro. Todos esses dispositivos condenam os subterfúgios que forçam os trabalhadores a se sindicalizarem ou se desligarem dos sindicatos.

Em artigo publicado em O Estado de S. Paulo ("Cunha Sindical", 04/11/03) apontei essas mazelas na esperança de ver a Câmara dos Deputados corrigindo os absurdos da MP 130. De nada adiantou. Os deputados endossaram-na como veio do Palácio do Planalto.

Felizmente, por iniciativa do Senador Fernando Bezerra (PTB/RN), o Senado Federal, manteve as virtudes e eliminou os absurdos daquela MP. Por decisão do plenário, a Casa proibiu a discriminação entre empregados sindicalizados e não sindicalizados; impediu as entidades sindicais e centrais sindicais de vetarem a negociação direta entre empregados e bancos; e anulou a cláusula que permitia aos sindicalistas cobrar taxas e comissões dos empregados, das empresas ou dos bancos.

Está na hora do Brasil entender que a simplicidade é a chave das boas instituições. Lembro-me até hoje das lições do eminente professor Herbert Baldus na Escola de Sociologia e Política de São Paulo (final dos anos 50) que, para ilustrar as suas aulas a respeito do que é uma instituição eficiente, contava a seguinte história.

A mãe de cinco garotos amados e endiabrados tinha, todas as tardes, momentos de alegria e tristeza. A alegria a dominava ao ver o contentamento dos filhos quando colocava sobre a mesa um bolo bonito e gostoso. A tristeza surgia quando os cinco se atracavam, cada um querendo pegar uma fatia maior do que a do outro.

Desolada, e sem saber o que fazer, recorreu à sua mãe - a vovó de 75 anos que, do alto da sua sabedoria e experiência, disse o seguinte:

Minha filha, esse problema é muito fácil de ser resolvido. Coloque o bolo na mesa e os garotos em fila indiana. Faça o primeiro cortar o bolo em cinco fatias e, em seguida, coloque-o no fim da fila ou, aleatoriamente, entre os cinco irmãos...

Não deu outra. Daquele dia em diante, as fatias passaram a ser cortadas milimetricamente iguais. Estava ali o exemplo de uma regra simples e autogovernada, e que cumpria o seu papel sem fiscalização, policiamento ou qualquer outro tipo de intermediação.

Ainda que os despachantes, os cartorários e os corporativistas não gostem, o Brasil precisa usar a força da simplicidade.