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Publicado em O Estado de S. Paulo, 17/12/2002.

Previdência Social: a agenda da reforma

O ministro José Cechin encerrou sua profícua administração, apresentando o Livro Branco da Previdência Social 2002, no qual elenca o que precisa ser feito para desarmar a bomba-relógio que pode dar o calote no segmento mais fraco da sociedade: os aposentados e os pensionistas.

O trabalho, lançado no dia 10/12/2002, é um documento precioso. Com a mesma objetividade, apresenta o diagnóstico e a terapêutica. As referências às experiências internacionais enriquecem o livro, fortalecem os argumentos e mostram que o Brasil não pode querer ser diferente do mundo.

Todos concordam que a reforma da Previdência deve ser feita, mas o consenso acaba quando se deita o paciente na mesa para se explicar o tipo de cirurgia a ser feita.

No que tange à previdência do setor privado (INSS), destaco as seguintes medidas, enfaticamente recomendadas no livro: (1) postergação das aposentadorias por tempo de contribuição que ainda ocorrem aos 53 anos, em média; (2) padronização da idade de aposentadoria (65 anos) para homens, mulheres, professores, professoras e trabalhadores rurais; (3) redução gradual da contribuição de 20% das empresas, como contrapartida da eliminação de renúncias contributivas e implantação de alíquotas diferenciadas; (4) separação das contas de previdência social e assistência social; (5) eliiminação da acumulação de benefícios de aposentadoria com remuneração salarial; (6) facilitação a re-entrada no sistema previdenciário de quem interropeu as contribuições por algum tempo; (7) atrelamento do seguro contra acidentes do trabalho ao nível de sinistralidade e de investimento das empresas na redução de riscos e prevenção dos infortúnios.

Como se vê, o reequilíbrio das finanças da Previdência Social exige mudanças de profundidade e impopulares. Os parlamentares só as aprovarão se a população for bem esclarecida e entender a importância de aceitar modificações hoje, para evitar o colapso amanhã. Caberá ao governo, por exemplo, convencer as mulheres, professoras e trabalhadores rurais a se aposentarem mais tarde em vista das estatísticas do Censo de 2001 (e outras bastante recentes) que mostram uma homogeneidade no seu perfil demográfico.

Na previdência social do setor público, o desafio é ainda maior. O Livro Branco da Previdência Social 2002 assinala as seguintes medidas para sanear o déficit atual (R$ 53 bilhões): (1) equiparar o regime de benefícios dos servidores públicos ao dos demais trabalhadores do país; (2) eliminar o acréscimo salarial de 11% (no caso da União), para os servidores que se aposentam; (3) instituir a contribuição dos inativos uma vez que a grande maioria dos atuais aposentados contribuiu com uma alíquota muito baixa durante sua vida ativa (diferentemente dos atuais que pagam contribuições, sem teto, sobre o total da remuneração); (4) alterar a fórmula de cálculo da aposentadoria de modo a evitar que um servidor trabalhe apenas 5 anos no serviço público e, ao se aposentar, receba um benefício igual ao último salário; (5) instituir para os novos servidores um novo sistema de aposentadoria que guarde relação estreita entre contribuição e benefício; (6) elevar a idade de aposentadoria voluntária das mulheres, hoje fixada em 60 anos; (7) rever os critérios para aposentadorias especiais (professores da educação infantil, fundamental e média).

A reforma da Previdência Social "prá valer" é essa. Para ser completa, ela teria de substituir o sistema de repartição simples pelo sistema de capitalização dentro de um cronograma suportável para as finanças públicas e não como fez o Chile, onde a transição foi abrupta, gastando-se o Brasil não tem para gastar.

Todas essas sugestões são de conhecimento dos técnicos e da maioria dos parlamentares. A aprovação da reforma dependerá da liderança firme de um governante estadista que não teme o desgaste momentâneo por saber que sua ação é crucial para a retomada do desenvolvimento. O capital político do governo Lula terá de ser usado logo no início, apoiado em um inteligente plano de comunicação.