Artigos 

Palestra no Seminário sobre "Mudanças Trabalhistas da Espanha", Brasília, 26/04/2006

Inovações Trabalhistas na Espanha:

Lições para o Brasil

A Espanha realizou várias mudanças nas leis trabalhistas ao longo das décadas de 80 e 90 quando foram negociados inúmeros acordos voluntários, várias mudanças das leis do trabalho e milhares de negociações entre os representantes de empregados e empregadores com vistas a elevar o nível de emprego, a renda e a qualificação dos trabalhadores, assim como melhorar a competitividade das empresas. Foi um longo período de acertos e erros.

Em todas essas mudanças, sempre se praticou o diálogo social entre os principais protagonistas – sindicatos de trabalhadores, associações de empregadores e representantes do governo, inclusive parlamentares. Nenhuma reforma foi imposta aos trabalhadores ou aos empresários.

As reformas trabalhistas da Espanha fizeram parte de um processo e não de uma decisão isolada. Toda vez que determinada mudança se mostrou contra-producente, ela foi modificada e adaptada às novas necessidades. Por isso, elas adquiriram um caráter dinâmico e não estático. Mesmo porque é muito difícil acertar de modo definitivo em matéria de mudanças sociais.

No Brasil, as reformas da Espanha foram mal divulgadas. Deu-se uma grande ênfase nos "contratos por prazo determinado", como se isso compreendesse todas as mudanças realizadas. O entendimento das reformas espanholas foi prejudicado pela divulgação de dados parciais, o que gerou críticas demolidoras sobre a suposta "precarização do emprego" naquele país. Poucas pessoas puderam apreciar as medidas adicionais que foram introduzidas com o objetivo de corrigir os exageros no uso dos contratos por prazo determinado e de outras mudanças que a dinâmica do mercado de trabalho exigiu adaptações.

No Brasil, as reformas da Espanha foram divulgadas como uma espécie de contra-exemplo para se "provar" um suposto fracasso da modernização das instituições do trabalho. Nessa linha, costuma-se citar (erroneamente) que o desemprego na Espanha explodiu depois da introdução de leis que abriram as alternativas de contratação.

Ao lado da informação parcial, notou-se também um viés ideológico contra as reformas espanholas que foram interpretadas pelos incluídos como uma ameaça ao seu status quo, - o que prejudicou ainda mais a formação de uma visão balanceada a respeito das virtudes e limitações daquelas mudanças.

Afinal, o que fez a Espanha no campo trabalhista? Quais foram os resultados?

A primeira grande reforma, de 1994, transformou alguns direitos inegociáveis em direitos negociáveis – como, por exemplo, a jornada de trabalho e a estrutura salarial – e criou uma variedade de contratos de trabalho: por prazo determinado, em tempo parcial, para trabalho eventual, por obra certa, para a formação de jovens, para estímulo às pessoas de meia idade, etc.

Tais contratos foram amplamente utilizados pelas empresas por serem mais simples, mais flexíveis e menos dispendiosos. São contratos que, apesar de oferecerem benefícios parciais, garantiam as proteções fundamentais do trabalho: aposentadoria, pensão, seguro-acidentes, licenças para tratamento de saúde, gravidez e várias outras. Na mesma época, foi atenuada a rigidez de certas regras de demissão.

Dois anos depois, observou-se uma utilização exagerada dos contratos por prazo determinado. De fato, a maioria dos empregos criados entre 1994 e 1996 foi atrelada a esse tipo de contratação.

Em vista disso, a Espanha decidiu "reformar a reforma". Um conjunto de inovações, iniciado em 1997, visou estimular os empregadores a transferirem, gradualmente, uma boa parte dos empregados contratados por prazo determinado para prazo indeterminado. Dentre os estímulos, destacaram-se a (1) redução dos encargos sociais; (1) a simplificação da burocracia; e (3) a criação de um contrato de trabalho com indenização de dispensa de 33 dias em lugar dos 45 dias estabelecidos na lei existente.

O importante é que, ao começar a aludida transferência, os contratados por prazo determinado já estavam atrelados ao sistema previdenciário. Os estímulos utilizados funcionaram como uma melhoria de uma situação parcialmente protegida. O contrato com indenização de 33 dias impulsionou um grande numero de contratações que duram até hoje.

Na época, a Espanha passou por uma enorme transformação. Entre 1996-99, a economia cresceu quase 20% em termos reais e o emprego aumentou 13%. O desemprego despencou de 22% para 15% e os trabalhadores que dependiam do seguro-desemprego caíram de 22% para 10%. A informalidade baixou de 12% para 8%.

A reforma da reforma trouxe resultados positivos. Com a correção introduzida em 1997, os contratos de menor proteção caíram de 40% para 30% (em 2005) e os de maior proteção aumentaram de 60% para 70%.

As Lições das Reformas da Espanha

Esses fatos mostram que reformas trabalhistas precisam ter continuidade e devem conter mecanismos de correção para serem usados ao longo do processo de mudança. Esta é uma primeira lição importante.

Na impossibilidade de se fazer uma reforma completa, certeira e definitiva, as mudanças introduzidas devem ser objeto de uma monitoria constante, o que é fundamental para se fazer uma sintonia fina e promover ajustes permanentes, mesmo porque os efeitos das mudanças não são imediatos.

Esta é uma segunda lição importante. As mudanças nas leis e nos métodos de contratar levam um certo tempo para serem percebidas. Só depois de incorporadas ao repertório institucional do país é que elas começam a apresentar resultados que atraem o interesse das partes, em especial, dos excluídos.

Esta é uma terceira lição. Na Espanha, as reformas de 1994 e 1997 consolidaram seus resultados nos anos seguintes e, na verdade, continuam produzindo efeitos até os dias de hoje. A queda do desemprego foi muito gradual. A desocupação foi baixando, ano a ano, e só mostrou um avanço expressivo depois de quase uma década de implementação das reformas trabalhistas.

Na verdade, o desemprego baixou para o patamar fixado como meta pelos reformistas de 1994 (8%) só no início de 2006. Foi quando então a informalidade se reduziu para apenas 6% e a proporção dos que dependiam do seguro desemprego para 7%.

No período de 1994 a 2004 foram criados 6,3 milhões de empregos (um incremento de 50% no nível de emprego). Trata-se de um desempenho inigualável na União Européia. Em 2004, havia 18,3 milhões de pessoas trabalhando. No final de 2005, eram 19,3 milhões de pessoas ocupadas, com um acréscimo de 894 mil pessoas ao longo daquele ano.

Hoje em dia, a Espanha é uma referência em matéria econômica e laboral em toda a Europa. Além da vigorosa criação de novos empregos, o país reduziu drasticamente os gastos com seguro desemprego, o que ajudou a equilibrar as contas públicas.

Como parte das reformas estruturais, a Espanha implantou a Lei de Estabilidade Orçamentária, uma espécie de Lei de Responsabilidade Fiscal, que trouxe uma ajuda adicional no controle do déficit público, com grandes benefícios para o lado do emprego. O país beneficiou-se ainda da entrada na zona do euro

Esta é uma quarta lição importante. As mudanças trabalhistas, quando bem realizadas, contribuem para equilibrar as contas de Previdência Social e, indiretamente, todas as contas públicas e, com isso, estimula os investimentos e a geração de empregos.

Esta é uma quinta lição de grande importância: o emprego depende da combinação do conhecido tripé formado por crescimento sustentado, educação de boa qualidade e legislação adequada.

Da mesma forma que não se pode reduzir o sucesso espanhol às mudanças trabalhistas, não se deve atribuir todo o êxito ao crescimento econômico.

Este é um importante componente do tripé indicado, mas não é o único. Mudanças trabalhistas, sozinhas, não geram empregos. Mas, combinadas, estimulam os investimentos e a criação de novos postos de trabalho. Outros países da Europa, que também cresceram, apresentaram resultados pífios no campo do emprego, como é o caso da Alemanha, que tem mais de 11% de desemprego e da França que tem quase 10%. São países que pouco fizeram no campo da modernização das instituições do trabalho.

Para atacar os problemas no campo do trabalho, a Espanha atuou nas três frentes: acelerou o crescimento econômico, melhorou a qualidade da educação e da formação profissional e modernizou a legislação trabalhista.

Esta lição é de fundamental importância. Repetindo, nenhuma dessas forças resolve os problemas do desemprego e da informalidade. Mas as três, quando bem articuladas, têm uma boa chance de solucioná-los.

Os Passos das Reformas

Por meio das várias reformas, a Espanha criou instituições do trabalho que (1) estimularam novas formas de contratar; (2) reduziram o custo da admissão; (3) cortaram o custo da demissão; (4) estimularam um aumento de horas trabalhadas; (5) diminuíram o custo unitário do trabalho; e (6) tudo isso associado a uma força de trabalho bem preparada.

Os primeiros resultados surgiram nos anos de 1997 e 1998 quando a taxa de desemprego demonstrou uma nítida tendência de queda ao ser reduzida de 22% para 15%. Em 1999, as diferenças entre a Espanha e outros países da União Européia tornaram-se expressivas. A taxa de desemprego da Espanha chegava a 14%. Poucos estados membros daquela Comunidade conseguiram reduzir o desemprego nessa proporção.

A Espanha não só fez decrescer a taxa de desemprego como aumentou o volume de trabalho. A jornada anual passou para 1.800 horas, ao passo que na Alemanha e França ficou em 1.600 horas por ano .

A renda também aumentou, mas dentro de um quadro institucional favorável. Em 2005, a média do custo da hora trabalhada na indústria da Espanha nas várias formas de contrato, foi de aproximadamente US$ 18.00, enquanto que na Alemanha, que só conta com contratos de trabalho por prazo indeterminado, a média ultrapassou os US$ 35.00.

Com a possibilidade de usar vários tipos de contratos, as empresas procuraram maximizar seus recursos e os cidadãos encontraram formas de trabalhar, tendo garantidas as proteções fundamentais. Isso foi essencial para a Espanha enfrentar um mundo globalizado que se tornou extremamente competitivo.

Mesmo assim, o país tem problemas de competitividade dentro da economia globalizada. A China, a Índia e vários países do leste europeu – muitos dos quais estão na União Européia - trabalham com custos muito mais baixos e produtividade mais alta – o que lhes dá uma nítida vantagem nos dias atuais.

Em 2000, quando da reeleição de José Maria Aznar, a maioria dos analistas da imprensa brasileira continuou disseminando a idéia de que a modernização das leis trabalhistas foi responsável por uma alta taxa de desemprego que ficou para trás, ignorando que o País estava perseguindo um plano para chegar à meta 8%, que foi praticamente alcançada no final de 2005 quando o desemprego caiu para 8,4%.

As reformas trabalhistas não explicam todo o sucesso da Espanha no processo de redução do desemprego e da informalidade mas, foram uma parte importante naquele processo. E, de forma alguma, podem ser responsabilizadas por aumento de desemprego ou informalidade que não existiu.

Contrastes entre Espanha e Brasil

Inúmeros estudos demonstraram que os choques econômicos dos anos 70 e 80 machucaram muito mais a Espanha do que outros países devido, fundamentalmente, à rigidez das instituições do trabalho. Ou seja, os problemas macroeconômicos se tornam mais devastadores quando as instituições sociais dificultam os ajustes.

Apesar dos grandes pactos sociais dos anos 80, muitas instituições espanholas mantiveram-se rígidas. No campo do trabalho, as velhas ineficiências da autocracia de Franco foram travestidas em novas ineficiências do sistema "neocorporativista" criado pelos referidos pactos, o que manteve, quase intacta, a armadura anterior.

Em outras palavras, nem sempre as propostas de mudança redundam em modernização. No caso da Espanha, o Estatuto de los Trabajadores de 1980, juntamente com as regras legais restritivas do velho franquismo formaram as chamadas Ordenanzas Laborales, que, no fundo, impuseram uma forte rigidez ao mercado de trabalho – o que só veio a ser atacado com as reformas iniciadas em 1994.

Nesse ponto há uma semelhança entre Espanha e Brasil. Entre nós, a maioria das medidas pseudo-modernizantes, aprovadas na década de 90, foi esterelizada por inúmeros empecilhos de natureza neocorporativista.

Por exemplo, para um trabalhador aproveitar uma vaga em regime de prazo determinado, a Lei 9.601/98 exigia que o sindicato da categoria aprovasse a nova contratação. Como isso não ocorreu, a lei não funcionou.

A conclusão (errônea) foi a de que "flexibilização só atrapalhou". Poucos tiveram o cuidado de verificar que o direito de veto dado aos sindicatos na contratação dos novos empregados por prazo determinado colocou o destino dos desempregados nas mãos dos dirigentes sindicais. Estes tomavam decisões em assembléias das quais os pretendentes à vaga não podiam participar, pois não faziam parte nem do sindicato e nem da empresa que desejava contratá-los. Trata-se de um eloqüente exemplo de injustiça social garantida por lei: ou seja, a vida dos excluídos é decidida pelos incluídos.

Esse tipo de rigidez se repetiu em inúmeras outros diplomas legais aprovados nos anos 90, que tornaram as novas leis brasileiras tão rígidas e estéreis quanto as antigas. Não podiam funcionar.

A análise das leis trabalhistas demanda um exame dos detalhes. Aliás, é nos detalhes que os sistemas de relações do trabalho se diferenciam.

Por exemplo, o Brasil costuma ser apontado como um país onde a demissão tem baixo custo, o que levaria as empresas a praticar uma intensa rotatividade de seus empregados. A Espanha é tida como um país que tem os custos mais altos para a demissão. O que dizem os dados?

Na Espanha, a demissão implica em pagamento de uma indenização correspondente a 45 dias por ano de trabalho na empresa. Apesar de ser um custo alto, ele é mais baixo do que o do Brasil que, na verdade, ultrapassa, em média, os 60 dias quando se consideram o pagamento de 8,5% do salário mensal a título de FGTS e a indenização de 40% do saldo daquele fundo por ocasião da despedida, lembrando-se que atualmente está em 50%.

Ao contrário do que se fez na Espanha, o Brasil nunca se procurou corrigir as distorções das inovações introduzidas na área do trabalho. As poucas mudanças introduzidas nas leis do trabalho (contrato por prazo determinado, em tempo parcial e interrupção temporária do contrato de trabalho atrelada a treinamentos) não foram realizadas como um processo, mas sim como tentativas estanques, mal planejadas e jamais retocadas.

As centenas de projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, na sua maioria, visam enrijecer ainda mais o quadro legal ao pretender garantir por lei – e não por negociação – o que é impossível conseguir das empresas que têm de vencer a forte competição dos mercados interno e externo.

Os Desafios da Espanha e do Brasil

A Espanha enfrenta novos desafios. Com a eleição do governo de José Luiz Rodriguez Zapatero do Partido Socialista Obrero Español – PSOE, em Julho de 2004, o país passou a praticar uma política econômica menos rigorosa, fazendo surgir vários focos de preocupação, dentre eles, a elevação da inflação para 3,5%, o aumento do custo unitário do trabalho em 4%, o crescimento do déficit na balança de pagamentos e perda de competitividade nos mercados internacionais.

Nenhum país está livre de retrocessos. A nova "Lei dos Horários Comerciais" da Espanha, por exemplo, reduziu o tempo de funcionamento das lojas, o número de feriados em que podem funcionar (da plena liberdade para apenas 8 dias por ano) e o numero de horas trabalhadas por semana. Esse conjunto de medidas está fazendo baixar a produtividade do comercio, reduzindo a oferta de trabalho e prejudicando a economia como um todo.

Por isso, muitos analistas recomendam novas reformas nos campos do trabalho e do funcionamento das empresas, focalizando, nesta oportunidade, a necessidade de se (1) reduzir o custo da dispensa; (2) diferenciar as convenções coletivas por tipos de empresa; e (3) eliminar as cláusulas de ultratividade que, na pratica, se converteram em um mínimo para as negociações que usam o passado para engessar o futuro.

No Brasil ocorre fato semelhante. Com a eleição do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, ex-sindicalista ligado à Central Única dos Trabalhadores, o governo decidiu ignorar as necessidades de uma reforma trabalhista, tendo preferido concentrar esforços em uma reforma sindical que, aliás, não saiu do papel.

Enquanto isso, os problemas trabalhistas se agravaram. O desemprego chegou a quase 11% em março de 2006. A informalidade está perto dos 60%. As despesas de contratação aumentaram, bastando lembrar a elevação da alíquota mensal do FGTS de 8% para 8,5% e da indenização de dispensa de 40% para 50% do saldo daquele fundo. E, na prática, a única modalidade de contrato de trabalho continua sendo por prazo indeterminado, com despesas de contratação rígidas e no montante de 103,46% do salário.

Mais grave do que tudo isso é verificar que a lei trabalhista brasileira é única para todos os tipos de empresas. O que vale para um fabricante de aviões, vale para uma barbearia.

Trata-se de uma lei que não respeita as diferenças e que grava todos da mesma forma. Os pequenos e microempresários, que constituem 95% das empresas do Brasil, têm medo de empregar, em decorrência da grande complexidade da legislação atual, das altas despesas de contratação, da pesada burocracia e do alto risco de serem processados na Justiça do Trabalho. Para eles, contratar legalmente é caro, complexo e arriscado. Não é a toa que a informalidade não pára de crescer nas pequenas e microempresas

O Brasil precisa decidir se deseja criar facilidades para se trabalhar de forma legal ou se quer continuar na situação atual. É urgente saber quais são os parlamentares que compreendem a necessidade e a viabilidade política de se promover reformas que mantêm a proteção dos que estão protegidos, estabelecendo proteções parciais aos que não estão protegidos. Tudo isso dentro de uma concepção de processo, através da qual, se possa fazer ajustes constantes, adaptando as inovações às novas condições do mercado de trabalho. Enquanto esse tipo de reforma não for feito, o país continuará com altas taxas de desemprego e informalidade.

Até aqui, venceram as vozes dos que insistem em ignorar os dados da realidade. Mas é bom lembrar que a concorrência não espera. O país precisa estimular os investimentos produtivos geradores de mais e melhores empregos. Para tanto, é mister eliminar as barreiras institucionais. Não se trata de desregulamentar o mercado de trabalho e sim de definir alternativas institucionais que protejam os empregados e os trabalhadores em geral, respeitando-se as diferenças das empresas e as oscilações da conjuntura.