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Publicado em O Estado de S. Paulo, 12/11/2006.

Uma no cravo, outra na ferradura!

Ninguém duvida da importância de se incentivar as pequenas e microempresas. A Constituição Federal de 1988 prevê um tratamento jurídico diferenciado. O Simples, aprovado em 1996, aliviou a burocracia. O "Estatuto das Pequenas e Microempresas" de 1999 veio na mesma direção. A "Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas" simplificará ainda mais a vida dos que empregam mais de 50% da força de trabalho.

Nada mais adequado. O Brasil tem cerca de 5,5 milhões de empresas registradas. Destas, cerca de 5,4 milhões são pequenas e microempresas. Há ainda 9 milhões de empreendedores informais. Todos precisam de estímulos para se formalizar. A Lei Geral merece aplauso.

Ao mesmo tempo em que se faz todo esse esforço para facilitar os negócios dos pequenos produtores, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar o Projeto de Lei 4.734/2004 que impõe aumentos estratosféricos para as empresas que precisam usar a Justiça do Trabalho. Os valores dos depósitos para recorrer a um Tribunal Regional do Trabalho ou ao Tribunal Superior do Trabalho passaram de R$ 4.808 para R$ 21.000 e de R$ 9.617 para R$ 35.000, respectivamente.

São aumentos monumentais. A justificativa é de reduzir os expedientes protelatórios e desafogar os tribunais. Ainda que louvável, a iniciativa usou a arma errada no alvo errado. Tais valores, eventualmente toleráveis pelas mega-empresas, são inviáveis para 98% dos produtores brasileiros, exatamente os que precisam se formalizar. Considerando-se que uma parcela razoável de sentenças são acima de R$ 21.000, inclusive para os pequenos produtores, se um deles tiver de recorrer aos dois tribunais, pagará R$ 21.000 no primeiro e, dependendo do valor da sentença, mais R$ 35.000 no segundo, somando, R$ 56.000 –, um valor absurdo, que ultrapassa o patrimônio da maioria das pequenas e microempresas.

Quem aprovou essa matéria, talvez com boa intenção, desconhece que os pequenos produtores – dentre os quais impera a informalidade – têm dois medos para contratar formalmente. O primeiro são as elevadas despesas relativas à dispensa sem justa causa. O segundo é o custo imprevisível das ações trabalhistas.

1. A dispensa de um empregado que ganha R$ 1.000 por mês, com um ano de firma, custa R$ 1.666. Para quem completou três anos, chega a R$ 5.000 e no caso de cinco anos, vai para R$ 8.332. Se o aviso prévio for pago em dinheiro, a conta sobe para R$ 2.952, R$ 6.286 e R$ 9.618, respectivamente, sem computar a remuneração do FGTS. Qual é a barbearia ou pequeno industrial que agüenta pagar tais valores? É um medo justificável.

2. O outro medo se refere às despesas de uma ação trabalhista cujo valor da sentença nunca se conhece de antemão. A imposição de valores exorbitantes para recursos acrescentará mais medo. As empresas intuirão que isso elevará o valor dos acordos, por força da pressão de advogados oportunistas e aumentará o numero de ações na Justiça do Trabalho. A conseqüência será uma redução ainda maior da contratação formal (e até informal), e um aumento do desemprego, reflexos na produção e na inflação.

O foco está errado. Os deputados usaram a abusaram das boas intenções, mas esqueceram da lógica. Para reduzir as demandas, inviabilizaram o direito de defesa. Se querem reduzir os processos judiciais é preciso diminuir os conflitos (o que é acaciano), e isso depende de uma simplificação do nosso indecifrável cipoal trabalhista.

A Constituição Federal tem cerca de 35 dispositivos no campo do trabalho. A CLT tem 922 artigos, complementados por cerca de cerca de 100 leis. A Justiça do Trabalho tem 300 súmulas; 278 orientações judiciais, 75 precedentes normativos e 28 instruções normativas – todos vigentes - e sem falar nas milhares de normas administrativas dos Ministérios do Trabalho e Previdência Social (Osmani Teixeira de Abreu, Relações do trabalho no Brasil a partir de 1824, São Paulo: Editora LTR, 2005). Como pode um pequeno produtor dominar tudo isso e enfrentar as novas despesas?

Dificultar o acesso ao Poder Judiciário contraria nossa tradição jurídica e, pior, agrava a informalidade, que já atinge 60% dos brasileiros que trabalham. Ah, como seria bom se os deputados que desejam simplificar conversassem com os que desejam complicar a vida das empresas e dos trabalhadores... Agora, resta aos senadores, desmanchar esse grande imbróglio.