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Publicado em O Estado de S. Paulo, 01/02/2000

Trabalho e bem estar na nova economia

Os dois fatores que mais pesam nas negociações trabalhistas são a produtividade e a remuneração. As empresas buscam eficiência, e os trabalhadores, poder de compra.

Na nova economia, há sérios indícios de que tanto a eficiência como o poder de compra estão sendo erroneamente estimados ao se usar, como avaliadores, as atuais medidas de produtividade e inflação.

A produtividade, apesar das estatísticas mostrarem um enorme aumento, deve estar subestimada. Com a redução da participação dos trabalhadores na agricultura e indústria, e aumento nos setores de comércio e serviços, isso, em si, criou enormes dificuldades para captar a real produtividade do fator trabalho.

Como medir a produtividade do trabalho em um escritório de advocacia? Pelo número de processos administrados pelos advogados? Pelo número de processos ganhos? E a questão da dificuldade dos mesmos, como fica?

Como medir a produtividade do trabalho em um hospital? Pelo montante de doentes atendidos pelos funcionários? Pelo número de altas hospitalares? E a questão da qualidade do atendimento, como fica?

Além disso, o avanço nos campos da informática, telecomunicações e organizações, potencializaram a capacidade das pessoas, tornando mais difícil a mensuração da produtividade líquida do fator trabalho. Na nova economia, capital, trabalho e conhecimento se imbricam, formando uma verdadeira rocha, tornando penosa a separação das partes.

Do lado do poder de compra, o problema é ainda mais complexo. Os bens e serviços passaram por enormes modificações ao longo do tempo, ganhando, sobretudo, mais qualidade. Por exemplo, uma consulta médica nos dias atuais contém muito mais informações e rigor do que há vinte anos.

Quando o preço da consulta, o valor dos salários e a qualidade da consulta aumentam na mesma proporção, é óbvio, o poder de compra permanece o mesmo. Mas, há vários indícios de que os bens e serviços vêem melhorando de qualidade e baixando de preço. Nesses casos, mesmo quando os salários ficam estáveis, há uma elevação do poder de compra que não é captada, na sua inteireza, pelo cotejo do salários com as medidas convencionais de inflação.

Nos Estados Unidos, atualmente, onde há uma terrível falta de mão-de-obra, os aumentos salariais têm sido moderados. Não há grandes pressões. Tudo indica que as pessoas desfrutam um aumento de poder de compra que se origina da visível melhoria da qualidade dos bens e serviços e dos enormes ganhos de produtividade das empresas.

Ao usar as ferramentas da velha economia para medir fenômenos da nova economia, é provável que as distorções na mensuração da produtividade e poder de compra estejam colocando o conhecimento dos pesquisadores muito distante daquilo que acontece na realidade do mercado de trabalho.

Em entrevista publicada pelo Estado de S. Paulo em 23/01/2000, o professor Ronald Coase, Prêmio Nobel de Economia, diz com todas as letras que "as estatísticas do governo não medem a maior parte do valor que é criado na sociedade. São medidas equivocadas".

E para ilustrar o seu argumento, encerro este artigo com fatos por ele narrados, e que se referem às mudanças que ocorreram ao longo dos seus 90 anos de vida.

"Quando eu nasci, minha casa não tinha eletricidade; nem telefone. Não tínhamos carro. Não havia serviço local de ônibus. Para fazer compras [em Londres], minha mãe caminhava um ou dois quilômetros, trazendo de volta cargas pesadas. Não havia sido inventado o carrinho de compras. Para lavar roupa, a gente fervia as roupas na cozinha, depois torcia à mão e, em seguida, colocava no varal para secar. Não havia rádio ou televisão. Havia, isso sim, muitos cavalos e uma enorme quantidade de moscas que pousavam em tudo. Hoje o mundo é outro. Graças ao crescimento econômico, tudo mudou, e isso aconteceu durante a minha vida".

De fato, nos dias atuais temos eletricidade, automóvel, telefone, geladeira, máquina de lavar roupa, rádio e televisão e, por cima, compramos pela Internet – sem moscas...

Será que a espetacular melhoria da produção e da qualidade de vida está sendo adequadamente apurada pelas medidas atuais? Duvido. Penso que, em muitos setores da nova economia, a produtividade e o poder de compra são mais altos do que os refletidos pelas estatísticas disponíveis. Está aí uma nova polêmica que, além de estimular o debate acadêmico, deverá aquecer as discussões nas mesas de negociação daqui por diante.