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Publicado em O Estado de S. Paulo, 12/10/1999

Contrato coletivo nacional

Há alguns anos, a Metalúrgica Viessmann, da Alemanha, pretendeu lançar em seu país um novo tipo de aquecedor, para o qual o mercado se mostrava muito promissor. Esbarrando, porém, com o alto custo do trabalho alemão, a empresa comunicou os seus empregados que iria produzir o aquecedor na República Checa, onde os salários eram mais baixos.

Os empregados alemães, preocupados, ofereceram trabalhar mais horas, sem aumento de remuneração. Eles queriam, a todo custo, evitar a exportação de empregos.

Mas, o sindicato dos metalúrgicos da Alemanha - o aguerrido IG Metall - levou a empresa à justiça, alegando quebra do contrato coletivo nacional que havia sido negociado com todo o setor, ao qual a Viessmann pertencia.

No tribunal, os juízes permitiram às partes deixar de lado o contrato coletivo nacional, e fazer um acordo, aumentando a jornada, sem aumentar a remuneração - o que permitiu à empresa ficar na Alemanha e ali criar 160 novos empregos.

Trata-se de um caso interessante no momento em que os trabalhadores ligados às montadoras de automóveis do Brasil vêem fazendo greves, reivindicando exatamente a concretização de um contrato coletivo nacional, que estabeleça pisos salariais e salários profissionais de forma homogênea, acabando-se, assim, com as disparidades geradas pela guerra fiscal, em especial, com o fato do salário médio em uma montadora de automóveis ser de R$ 1.500,00 no ABC paulista e R$ 800,00 em Betim, Minas Ge-rais.

Do ponto de vista técnico, é impossível afirmar que a contratação nacio-nal é melhor ou pior do que a contratação regional ou empresarial.

Do ponto de vista prático, porém, assiste-se no mundo inteiro um avanço acelerado em direção a negociações mais descentralizadas.

É verdade que, em muitos países da Europa, ainda prevalece a "negociação articulada", segundo a qual, acertam-se as condições básicas em nível nacional, e os detalhes em nível regional e das empresas - o mesmo que a CUT e a Força Sindical desejam fazer no setor automobilístico do Brasil.

Mas, mesmo nesses casos, a negociação por empresa e região está se avolumando de forma mais acelerada do que a negociação nacional. O aumento da competição e a criação de um mercado de trabalho globalizado têm levado as empresas a reformular os contratos coletivos nacionais - ou, no caso extremo, a mudar de país.

Até mesmo o Japão, que fixa um intervalo de aumento de salários para todos os setores por ocasião da grande negociação da primavera ("shunto"), está partindo para concessões simbólicas a nível nacional, intensificando o acerto dos detalhes dentro de cada empresa.

Na Escandinava, igualmente, o tradicional "modelo sueco" de grande centralização, está dando lugar a negociações mais descentralizadas por regiões e por empresas.

Nos Estados Unidos, as negociações também se aproximam das empresas, sendo raros os casos de negociação e contratos nacionais.

Repetindo: inexiste teoria sólida para demonstrar que a descentralização é melhor do que a centralização no campo das negociações trabalhistas (ou vice-versa). Ambas têm suas vantagens e desvantagens, e isso só pode ser decidido entre os que negociam.

Daí a beleza da negociação. No embate ora em andamento no Brasil, em-presas e centrais sindicais serão levadas a examinar todos os aspectos da eventual adoção de um contrato coletivo nacional. E, desse exame, vão tirar suas conclusões, e partir para o acordo.

Mas, se a literatura é frágil quanto a excelência deste ou daquele sistema de negociar e contratar, ela é robusta em um ponto: esse assunto não deve ser objeto de legislação.

Menciono esse ponto porque a maioria dos parlamentares brasileiros não tem perdido uma só oportunidade para regulamentar o que precisa ser desregulamenta-do. Aliás, são vários os projetos de lei que correm no Congresso Nacional propondo, de forma compulsória, a prática da contratação coletiva de âmbito nacional.

Se, entre as próprias partes é difícil saber o que é melhor, como pode a lei estabelecer uma sistemática padrão, para todos os setores e para todo o tempo? As gre-ves ora em curso, apesar de dolorosa para os empregados e empregadores, vão nos ofe-recer uma importante resposta nesse campo. São greves pedagógicas.