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Publicado em A Folha de São Paulo, 29/03/1996

Falácias sobre encargos sociais

Em duas matérias publicadas nesta coluna (31/01/96 e 1º/03/96), Demian Fiocca alinha-se entre os que não se conformam com o fato de os encargos sociais somarem 102% neste país.

Segundo os argumentos apresentados naqueles artigos, os referidos encargos não passariam de 46%. Ele assegura ao leitor que os 46% se baseiam em "verdades matemáticas indiscutíveis".

Devo confessar que, nos meus 40 anos de pesquisa, jamais tive a "gloria" de encontrar uma teoria definitiva ou indiscutível. Mas qual seria, então, a fonte daquela discrepância?

Muito simples: o meu interlocutor trocou a base de cálculo dos encargos sociais. Ele usou como ponto de referência os 365 dias do ano, como se os empregados trabalhassem todos esses dias.

É evidente que essa troca muda tudo. A disputa, portanto, está em torno de lógica e não de matemática. Nos cálculos de encargos sociais, o que se leva em conta é o "tempo realmente utilizado no processo de produção". (Eliseu Martins, "Contabilidade de Custos", 1987, pág. 129). Ao que se sabe, nenhum empregado trabalha 365 dias por ano.

Dos 365 dias, há 90 dias "improdutivos": 52 repousos remunerados; 26 dias de férias (30 dias menos quatro domingos); e 12 feriados oficiais. Restam, portanto, 275 dias para trabalhar.

Sendo o salário uma contraprestação pelo trabalho realizado, o salário anual é a remuneração dos 275 dias trabalhados. As demais despesas que decorrem de lei são encargos sociais. O seu modo de calcular é simples.

O 13º salário, por exemplo, surge da divisão de 30 dias por 275 - o que dá 10,91%. As férias derivam da divisão de 26 dias por 275, o que dá 9,45%. O abono de férias resulta do quociente entre dez dias remunerados e 275 dias trabalhados, 3,64%. E assim por diante, até chegar-se aos 102%, que incluem também as obrigações sociais (INSS, FGTS, salário educação etc.).

Além de dividir por um número de dias produtivos inexistente, Fiocca aplica os percentuais calculados sobre 275 dias numa carga horária referente a 365. Tais equívocos respondem, em grande parte pelos resultados discrepantes.

Ele assume ainda que a empresa, ao contratar um empregado, não faz nenhuma provisão para o pagamento de repouso remunerado, férias, feriados etc, ao longo dos 12 meses. Por isso, todos esses itens entrariam no salário, deixando de ser encargos sociais - o que é um erro.

Os encargos sociais geram despesas que são desembolsadas de forma direta ou indireta pelas empresas. A maneira mais fácil de se calcular tais despesas "é verificar o gasto total que cabe à empresa por ano (por força da lei) e dividir esse valor pelo número de horas de trabalho que o empregado efetivamente se encontra à sua disposição". (Eliseu Martins, op.cit., pág. 131).

Pelo que entendi, Fiocca exclui também o 13º salário e as despesas de rescisão dos encargos sociais, porque "os trabalhadores recebem essas parcelas em dinheiro". Isso não é critério para a referida exclusão, pois alguém paga essas contas, que, aliás, não podem ser negociadas. Elas são impostas por lei e, por isso, são encargos. E o total dá mesmo os 102%.

A matemática é uma boa ferramenta quando se parte de pressupostos realistas. O mundo do trabalho é cheio em meandros. Para "desenrolar o novelo" é sempre conveniente começar com o bom senso. Convenhamos, ninguém trabalha 365 dias por ano...