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Publicado em O Jornal da Tarde, 17/06/1998

Os danos da má regulamentação

A literatura econômica e sociológica está produ-zindo estudos fascinantes sobre os custos e os benefícios dos sistemas de regulamentação nos campos do trabalho, saúde e meio ambiente. Vou tratar do primeiro.

O que se analisa são os efeitos da regulamentação sobre a capacidade das empresas reagirem prontamente em ambientes competitivos (Helgard Wienert, Regulation and Industrial Competitiveness, OECD, 1997).

A reforma dos sistemas de regulamentação está se revelando vital para a competição globalizada. A globaliza-ção mudou a natureza da competição. Os mercados se internacionalizaram, tornando muitos regimes regulatórios totalmente obsoletos. Afinal, eles foram desenhados para alcançar objetivos nacionais. A revolução tecnológica, igualmente, criou atividades que caem fora dos regulamentos existentes - veja o caso do comércio via internet.

A qualidade da regulamentação constitui um importante fator de atração ou repulsão de investimentos. O grande desafio para os países não é o de escolher entre regulamentar e não regulamentar, mas sim o de regulamentar bem, de forma a facilitar a competição. Para alguns casos, a tarefa é desregulamentar. Para outros, é re-regulamentar.

Instituições obsoletas causam sérios danos à competição e ao progresso econômico-social. A sobrevivência dessas instituições no campo trabalhista no Brasil é patente. Elas não se ajustam às condições atuais que deman-dam re-regulamentação na direção do auto-controle.

Nos últimos 30 anos, tornou-se muito mais importante fixar as regras do jogo do que o seu resultado. Este deve surgir do livre jogo dos jogadores. é o inverso do que o Brasil tem feito na área trabalhista. Os preceitos constitucionais, as leis ordinárias, as normas regulamenta-doras, as sentenças normativas e vários outros disposi-tivos, insistem em fixar o placar do jogo ao estabelecerem, por exemplo, os resultados para a jornada de trabalho (8 horas diárias e 44 semanais), hora extra (50% acima da normal), férias (30 dias mais um abono de 10), etc. Isso afasta completamente a possibilidade das partes optarem por uma jornada anual com compensações ao longo do ano, valores de hora extra variáveis ou férias negociadas. Os sistemas que fixam todas as regras de cima para baixo tornaram-se escandalosamente obsoletos.

Os mercados modernos estão exigindo outras maneiras de trabalhar, além do emprego fixo e por prazo determinado. No mundo inteiro cresce o trabalho por projeto, por empreita, subcontratado, terceirizado, em tem-po parcial, com jornadas flexíveis, realizado à distância (teletrabalho) e várias outras modalidades de contratação e remuneração que não podem ser abrigadas pelos sistemas hiper-detalhados.

O impedimento à variação constitui um constrangi-mento importante para a competitividade das empresas bra-sileiras no campo do trabalho, o que acaba se refletindo num desestímulo à geração de empregos amparados por um mínimo razoável de legislação. Não é a tôa que 57% da força de trabalho está no mercado informal.

Muitos países já viveram esse quadro e saíram dele: Inglaterra, Holanda, Nova Zelândia. Outros nunca viveram: Estados Unidos, Japão, Tigres Asiáticos. Há ainda os que estão procurando renovar: Israel, Chile, Argentina.

Nesse rol, o Brasil está na rabeira. A rigidez atual está prejudicando quem mais precisa ser protegido: os jovens, as pessoas de meia idade e as mulheres. Todos eles encontram enormes barreiras para trabalhar legalmente.

Os que estão protegidos pela regulamentação obsoleta atual tendem a reagir e a bloquear as tentativas de reformas. O grande desafio é convencer os conservadores sobre a necessidade de mudar.

A maioria dos governantes, porém, tem preferido o comodismo da inação, evitando mexer com vespeiros pois é deles que saem os seus votos. Aí reside a diferença entre o estadista e o oportunista. O primeiro usa o seu prestígio para levar a sociedade a querer o que ela não quer - mas precisa. O segundo tira vantagem do esforço do primeiro, criando pânico e incerteza para, então, coletar seus votos, prometendo aos amedrontados o impossível: a vigência de um sistema de regulamentação arcaico, obsoleto e inviável.