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Publicado em O Jornal da Tarde,05/11/1997

Maldades

Espero que o Jornal da Tarde me perdoe por deixar um pouco de lado o meu ofício de pesquisador e usar este espaço para um desabafo de cidadão.

Aos primeiros sinais do ataque especulativo contra o Real, em outubro de 1997, Gustavo Franco, então Presidente do Banco Central, abriu o seu saco de maldades e começou a soltá-las. De início, vendeu dólares a preço alto e recomprou a preço baixo. Em seguida dobrou a taxa de juros. E disse que isso é só o começo. Garantiu que o seu estoque é enorme.

Os analistas concordaram que suas maldades foram inevitáveis em face da emergência apresentada. Era isso ou crise geral.

Mas, afinal, quem foram os grandes castigados pelas maldades da política econômica? Sem dúvida, os trabalhadores. Ou seja, quem não tinham nada a ver com bolsa, câmbio e CDBs. Por quê?

Juros altos significam estímulo à especulação, desestímulo à produção, quebradeira de médios e pequenos e agravamento substancial do sério problema de emprego. O pior é que a rapidez da subida não pode ser repetida na descida da taxa de juros. Qualquer movimento mais afoito espanta os investidores voltando a instigar a debandada da semana passada.

A crise vivida no fim de 1997 não seria ruim se dela tirássemos as lições para acabar com inúmeras outras maldades que persistem no nosso cenário econômico. Uma delas é a manutenção de um sistema previdenciário falido e que, mais cedo ou mais tarde, vai provocar um estouro maior do que a bomba da Bolsa de Hong Kong.

Uma outra maldade é a preservação de um sistema tributário no qual alguns pagam muito e a maioria não paga nada. Que justiça é essa? E o que é pior: castigam-se os que são mais importantes para a geração de empregos (produtores) e facilita-se a vida a quem nada contribui para a criação de postos de trabalho (especuladores).

Não se pode esquecer nesta lista de maldades a sobrevida de uma legislação trabalhista que protege menos da metade dos trabalhadores. Afinal, ela foi elaborada para uma economia fechada e sem concorrência que nada tem a ver com a economia atual.

Como se vê, o saco de maldades de Gustavo Franco é uma piada perto do gigantesco baú de perversidades que nossos governantes (executivo e legislativo) vão acalentando ano após ano.

A proposta governamental de reforma previdenciária já era pífia antes de chegar ao Congresso Nacional. Lá dentro se transformou em verdadeira sopa de pedras que pouco resolverá os problemas da realidade. No campo tributário, o Poder Executivo, anunciou uma belo plano de vôo mas, até agora, sequer ligou as turbinas do avião. E no campo trabalhista ninguém ousa mexer no baú de maldades da nossa legislação porque isso significa risco eleitoral. Um projeto modesto e cauteloso de contratação por prazo determinado e regulamentação do banco de horas se arrasta no Congresso Nacional há um ano e meio- sem solução!

Em matéria de maldades, este País está se revelando bastante fértil. é mais um recorde mundial.

Será que o gravíssimo perigo de colapso geral vivido na semana passada servirá para reverter a doentia inércia da grande maioria dos nossos políticos? Ou será que eles querem esperar a devastação catastrófica de um debacle cambial completo para então agir? E, agir sobre o quê? Cinzas?

Alguém em sã consciência acha que o Brasil está vacinado contra novos ataques especulativos?

A próxima investida encontrará um doente ainda mais debilitado para não dizer arrasado. Nessas condições, as maldades serão ainda maiores - e os castigos para os trabalhadores atingirão as raias da indignidade.

Falou-se muito na inevitabilidade da globalização. Mas, o que as reformas constitucionais do Brasil tem a ver com a Bolsa de Hong Kong? O problema é nosso e somos nós que temos a soberania - até quando? - para reformular e modernizar as nossas instituições. Num mundo de tantos piratas devotados a ataques especulativos traiçoeiros é essencial ficar mais forte.

Ao se aproximar o fim do ano e se cogitar de suspender o recesso parlamentar, pergunto: Por quê não se fazer agora um grande acordo político segundo o qual todas as forças partidárias se comprometam a acabar com as grandes maldades do País e fazer, de uma vez por todas, as benditas reformas constitucionais?

Ah, já sei a resposta... 1998 será ano eleitoral. Nessa temporada não se reforma nada. Bem se assim é, só nos resta esperar que os castigados se vinguem dos que os tratam com tantas maldades. Não votem neles!