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Publicado em O Estado de S. Paulo, 24/10/2011.

Empregabilidade na indústria de petróleo e gás

Um empresário que está construindo uma refinaria de petróleo no nordeste ficou desesperado ao constatar que a empresa contratante lhe "roubou" 50% dos seus melhores funcionários, desde mecânicos e eletricistas até mestres de obras e engenheiros.

A pilhagem está em toda parte. Até mesmo as redes de hotéis só conseguem pessoal qualificado quando tiram de outras – um alerta aos organizadores dos eventos esportivos de 2014 e 2016. Nas montadoras de veículos, os aposentados estão de volta ao trabalho. Não há jovens suficientemente treinados. As empresas estrangeiras que chegaram ao Brasil no setor de óleo e gás seduziram um grande número de engenheiros, geólogos, geofísicos e técnicos que a duras penas foram formados e estavam trabalhando na Petrobrás. A competição por talentos bem preparados está se transformando numa verdadeira guerra.

A falta de mão de obra qualificada é um fato inquestionável. Segundo pesquisa da CNI, dois terços das indústrias brasileiras estão com dificuldades para preencher os cargos disponíveis. Os salários não param de subir. Observa-se um descasamento entre aumentos salariais e ganhos de produtividade, o que é grave para o desempenho das empresas, dos investimentos e dos empregos do futuro.

Muitas firmas já buscam candidatos nos bancos das universidades ou das escolas técnicas. Mesmo assim, a maioria os coloca em treinamento após a contratação. Nunca as grandes empresas patrocinaram tantos cursos como nos dias atuais. As universidades corporativas se proliferam e mantém treinamentos no Brasil e no exterior. As dificuldades sobram para as empresas de médio porte que não dispõem de escala e recursos para montar suas universidades.

Mas, o problema não se limita às dificuldades de recrutamento. Hoje em dia, reter os bons profissionais é um desafio maior do que recrutar, especialmente, entre os mais jovens que buscam ganhos crescentes e ascensão rápida.

Os investimentos em recursos humanos tornaram-se estratégicos para o ambiente de negócios. As dificuldades para recrutar e reter demandam novas técnicas para gerir pessoas e planos de benefícios. Tais dificuldades exigem também maior flexibilidade para se contratar e promover esses profissionais. Impedimentos à terceirização e excesso de burocracia fazem muitas empresas deixar de contratar ou perder os talentos que lhes são essenciais.

A falta de mão de obra já atinge os não qualificados. Nas lavouras de café, falta gente para a colheita. Na construção civil, está difícil conseguir serventes. Até empregadas domésticas estão diminuindo. Na agricultura, a falta é generalizada. Enfim, o Brasil deixou de ser um país de mão de obra abundante e barata. Não fora o alto grau de informalidade que ainda reina no país, estaríamos na situação de pleno emprego.

Ao investir pesadamente em obras de infra-estrutura, em especial, em hidroelétricas, estradas, portos, estaleiros – e para atender às necessidades dos grandes eventos esportivos que se aproximam – o Brasil ressente-se gravemente da falta de engenheiros e técnicos em geral.

Os setores de ponta demandam talentos raros, muitos inexistentes. Pouco interessa saber que o Brasil possui 600 mil engenheiros registrados no CREA. É preciso saber quantos dominam as modernas tecnologias daqueles setores. Os diretores de escolas de engenharia dizem que isso ocorre apenas com 20% dos que se formam, sendo difícil converter para as novas exigências os engenheiros que, no tempo das vacas magras, enveredaram para os campos do mercado financeiro, da administração e até dos recursos humanos. É difícil ajustá-los às novas tecnologias da produção moderna.

O que acontece com a engenharia ocorre em outras áreas das ciências exatas. Um dos maiores problemas do momento é a grave falta de professores de matemática, física e química para os cursos médios. Outra séria dificuldade é a contratação de pessoas fluentes em línguas estrangeiras.

O problema atinge até as ciências sociais. Quem precisa de um bom advogado se assusta ao ver que 90% dos candidatos são reprovados nos exames da OAB. Para resolver os descontentamentos de comunidades (e tribos) atingidas pelos projetos de hidroelétricas e encaminhar uma solução adequada, por exemplo, buscam-se sociólogos, antropólogos e psicólogos sociais que nunca ouviram falar nesses assuntos durante a universidade. No campo financeiro, a concessão de um crédito, muitas vezes, depende mais de uma boa solução ambiental do que da capacidade de pagamento do tomador – um grande desafio para economistas que ignoram a ecologia. Para não ir longe demais basta dizer que as empresas de hoje se consideram privilegiadas quando têm em seus quadros profissionais que dominam bem a linguagem e que dispõem de uma boa redação. Nossas empresas precisam não apenas de qualificação técnica, mas, sobretudo, de boa escolaridade geral, com clara noção da importância do controle de custos e do provimento de condições adequadas de saúde e segurança para os trabalhadores.

O Brasil venceu a batalha da quantidade. Conseguimos matricular as crianças no ensino fundamental. Falta vencer a guerra da qualidade. A caminhada é longa. Matricular foi um avanço, sem dúvida. Mas, educar é um desafio bem maior. Para os futuros profissionais não basta aprender para passar de ano nas escolas. É preciso aprender a pensar. Isso porque os diplomas têm prazo de validade muito curto. Seus conhecimentos se esgotam logo. As empresas não querem "canudos", e sim respostas, se possível, permanentemente atualizadas.

O setor de óleo e gás constitui um desafio à parte. A demanda por profissionais qualificados é muito grande e o tempo para a formação é muito curto. Quando se fala em pessoal necessário há que se considerar a enormidade da cadeia produtiva que é propelida por esse setor: siderurgia, metal-mecânica, eletricidade, construção civil, logística e serviços de todos os tipos, em especial, os de bons gestores.

Só os investimentos da Petrobras até 2013 vão exigir cerca de 200 mil profissionais qualificados. A extração de petróleo do mar a 7 mil metros de profundidade e a 300 quilômetros da costa trazem enormes desafios, bem conhecidos dos participantes deste encontro. Mas há uma parte deles que é desconhecida por ser impossível antecipar-se todos os problemas que surgirão pela frente.

O enfrentamento desses problemas exigirá criatividade. A exploração dos novos campos demanda o desenvolvimento de soluções engenhosas – até então inexistentes – para reduzir os custos de produção e transporte e, conseqüentemente, garantir a competitividade do negócio, os investimentos futuros, a geração de empregos, a segurança e a boa qualidade de vida dos trabalhadores. Do contrário, o bilhete premiado se transforma em bilhete corrido.

As necessidades são colossais. Na área de petróleo e gás em si muitos profissionais já estão sendo demandados para as atividades atuais. O problema está sendo agravado pelo fato de muitos profissionais estarem atingindo a idade de se aposentar, levando consigo uma valiosa experiência. As empresas estão ficando com os recém formados e os que já se preparam para sair. Há uma falta muito grande do pessoal que esteja no meio das carreiras, com 35 ou 40 anos de idade e que tenham de 10 a 15 anos de experiência no mesmo campo. Para esses, os salários estão subindo bastante e, mesmo assim, está difícil recrutá-los.

Mais grave do que o recrutamento é a retenção do pessoal qualificado nas empresas. A retenção já depende não apenas de salários, mas, sobretudo, de ambiente seguro e agradável para trabalhar, de benefícios relevantes para os trabalhadores e seus familiares, perspectivas de treinamento continuado, liberdade de ação, estímulos à criatividade e vários outros requisitos que constituem grandes desafios aos administradores de recursos humanos. Sim, porque o capital físico pode ser substituído com facilidade – as máquinas tornaram-se baratas e inteligentes. O capital humano, ao contrário, tem uma oferta limitada e é de formação demorada. Quem tem não pode perder. Daí a engenhosidade que se impõe não apenas aos recrutadores, mas, principalmente, aos que têm a tarefa de conservar e promover os talentos raros.

No campo das engenharias, apenas 30% dos que iniciam os cursos chegam a se formar. O desperdício é grande. Dentre os que se formam poucos são os que dominam as modernas tecnologias e, em especial, a interação entre as várias disciplinas. O setor sucro-alcooleiro, por exemplo, necessita de engenheiros químicos que conheçam agricultura. O setor energético precisa de engenheiros com bons conhecimentos de meio ambiente. E os conhecimentos precisam ser permanentemente atualizados porque o ritmo das mudanças tecnológicas é meteórico. E não apenas das mudanças tecnológicas. [Exemplo 1]. As mudanças institucionais e sociais também são muito rápidas. Estamos num tempo em que a história passou a correr muito depressa. [Exemplo 2].

Mas, um projeto dessa natureza é quase um projeto de país. Afinal, estima-se que até 2020 serão gerados cercas de 500 mil novos empregos em torno do pré-sal. Vai se criar uma nova geração – a geração do petróleo.

A exploração das novas oportunidades nesse campo, com as crescentes exigências do índice de nacionalização, movimentará toda a economia brasileira e exigirá profissionais qualificados em praticamente todos as áreas, da indústria mecânica à de construção de navios, helicópteros e até de moradias, escritórios e edifícios públicos, chegando às obras de saneamento, à capacidade administrativa, às facilidades de educação e saúde e várias outras. Em termos profissionais, a indústria de óleo e gás demandará de maneira crescente os geólogos; os engenheiros de produção, manutenção, refino e transporte; os técnicos em mecânica, automação, operação e manutenção; os técnicos em química e meio ambiente; os administradores, contadores, auditores, economistas, sociólogos e psicólogos; os técnicos em TI; os médicos, engenheiros e técnicos em saúde e segurança do trabalho; os especialistas em logística; e muitos outros.

As carências no sistema de ensino geral terão de ser superadas para que esse projeto de país vingue de modo satisfatório. Essa onda atingirá também este estado. Estima-se que o Espírito Santo quadruplicará a produção de petróleo até 2013 e muito mais na produção de gás. As próprias reservas de petróleo no pré-sal parecem ser imensas na costa capixaba. O futuro é promissor, sem dúvida.

A área de recursos humanos ocupa um lugar central nessa enorme orquestração e precisa estar preparada para fazer mudanças constantes de forma a atender aos imperativos dos negócios e dos trabalhadores. Estes necessitam de proteção nas áreas da saúde e segurança, trabalhista e previdenciária. Precisam ainda de apoio constante para apreender continuamente. E os gestores de recursos humanos não terão muito tempo para fazer isso tudo. Suas ações devem ser rápidas e bem pensadas. A competência profissional é a peça chave para a sustentação das estratégias empresariais e para o desenvolvimento dos talentos e atendimento das aspirações dos trabalhadores.

O que será do futuro do Brasil? Podemos sustentar uma alta taxa de crescimento com a qualidade de ensino que temos?

É claro que tudo passa pela melhoria da qualidade do ensino fundamental e médio, que constitui a base para uma boa formação universitária. Nesse campo as carências são imensas, não é preciso explicitá-las aqui.

Em vista disso, o que fazer?

Como o processo educacional é demorado, o Brasil terá de queimar etapas e encontrar um atalho. Há sinais são alvissareiros. O reconhecimento do problema tem levado as autoridades a se concentrar em programas mais sérios como é o caso do PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego). As escolas de engenharia acordaram para a necessidade de alinhar os currículos na direção das novas tecnologias. A Presidente Dilma Roussef lidera pessoalmente um programa de 100 mil bolsas de estudo para especialistas nas melhores universidades do mundo, o que vem sendo feito pela China há mais de dez anos. As grandes empresas continuam no seu esforço de treinar e formar. Ou seja, há luzes no fundo do túnel.

No campo do óleo e gás, as ações promovidas pela Petrobras em associação com várias universidades brasileiras e com o Sistema S e outras entidades de ensino e louvável e necessário sem falar na importância do Centro de Pesquisas da empresa – CENPES – localizado no campus da UFRJ e nos centros das empresas privadas que vão se formando à sua volta. Outra importante iniciativa é o Programa de Mobilização de Qualificação da Indústria Nacional de Petróleo e Gás Natural (Prominp). Destaca-se também o esforço da própria Agencia Nacional do Petróleo no campo da pesquisa e da formação de pessoal. A intensificação da conversa entre as universidades, centros de pesquisa e empresas é animadora. Acredito muito no impacto positivo que essa conversa pode ter na melhoria da qualidade de ensino de nossas faculdades. É a força da demanda.

Esse me parece o caminho que resta a um país que precisa elevar consideravelmente a qualidade do seu capital humano – é a união dos esforços do setor público com os do setor privado, com uma grande participação das próprias empresas.

Mas, é claro, precisamos ser eficientes na operação de tão difícil empreitada porque essa é uma corrida em relação a um ponto móvel. Quando avançamos dez centímetros na preparação dos nossos técnicos, as tecnologias avançam um metro. Quando avançamos meio metro na melhoria do nosso ensino, os países concorrentes avançam dois metros.

Importante também é modernizar a legislação trabalhista para facilitar a contratação das pessoas nas modalidades exigidas pelos novos negócios. Não podemos correr o risco de formar e não contratar devido a burocracias e leis antiquadas – o que, aliás, já preocupa em muitos casos.

Finalmente, precisamos lembrar de formar nossa gente para o exercício responsável da cidadania e superar de uma vez por todas a ganância do corporativismo empresarial e sindical que ameaça engessar toda a economia.

Em suma, formar para o mercado e para a democracia é o maior desafio do Brasil para os próximos 25 anos.

Eventos como este mostram a tomada de consciência do setor empresarial e da academia em favor da preparação de bons profissionais. É uma valiosa lição de casa que está sendo feita hoje para garantir o amanhã dos nossos jovens e da população em geral. Cumprimento os coordenadores pela superior iniciativa.