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Publicado em O Estado de S. Paulo, 24/11/1998

O FMI e o trabalho

Dentre as várias matérias negociadas para se concluir o acordo dos US$ 41,5 bilhões, consta que o FMI recomendou ao Brasil uma urgente mudança nas suas instituições do trabalho.

O tema foi incluído no Programa de Estabilização Fiscal e o governo brasileiro enviou ao Congresso Nacional uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC 623/98) que reformula a organização sindical e a Justiça do Trabalho.

Será que FMI e governo brasileiro estão falando a mesma língua quando se referem às mudanças trabalhistas? Qual é o pensamento do FMI à respeito desse assunto? Este artigo resenha alguns documentos publicados pelo Fundo Monetário Internacional nos últimos cinco anos.(*)

Ao analisar a situação da Espanha, por exemplo, o FMI concluiu que o excesso de rigidez das leis e contratos espanhóis é um dos principais responsáveis pelo estrondoso desemprego naquele país que chegou a 25% em 1994. Prova disso é que, mesmo nos períodos de forte crescimento econômico (1986-91), a desocupação se manteve em 15%.

Na sua análise, o Fundo observa que no retorno à democracia, as proteções legais do moderno "estado de bem estar" (welfare state) foram superpostas aos ingredientes do corporativismo de Franco, sem se remover a rigidez existente. Até hoje o país continua com 19% de desempregados.

Para o caso do Brasil, isso eqüivaleria a superpor um regime de mais negociação, sem remover a excessiva rigidez da legislação atual. Em outras palavras, sobrepor direitos negociados aos direitos legislados das atuais CLT e Constituição Federal, como faz a PEC 623/98.

Em contraste com o caso da Espanha, o FMI analisou a reforma da Inglaterra como um esforço acertado de reformular o que ainda havia de rígido nas suas instituições do trabalho. A lei sindical de 1984 promoveu a descentralização das negociações e instituiu um ambiente democrático, acabando com o atrelamento da contratação individual à vontade sindical como condição para o emprego (closed shop), e tornando o voto majoritário, secreto e obrigatório para todas as decisões dos sindicatos. Hoje, o país tem apenas 4,7% de desempregados.

Para o Brasil, a últimas leis (contratação por prazo determinado, suspensão do contrato de trabalho e contratação por tempo parcial) e a própria PEC 623/98 perseguem o caminho oposto ao atrelarem o contrato individual ao contrato coletivo.

Nos estudos do FMI, a Itália surge como um dos mais restritivos sistemas de relações do trabalho da União Européia. Os constrangimentos legais à contratação, dispensa e jornada de trabalho, segundo o Fundo, fizeram aumentar a parte fixa do custo do trabalho e dispararam o desemprego. Só recentemente (1993), foram relaxadas algumas restrições do passado, mas ainda há muito o que caminhar.

No Brasil, os custos de contratação e descontratação foram mantidos intocáveis com a PEC 623/98, que deixou como única opção a redução do salário mensal.

Para a França, o FMI constatou não ter havido nenhuma criação de empregos entre 1975-90, apesar do país ter crescido bem acima dos 2%, anualmente.

O custo do trabalho derivado dos encargos trabalhistas e previdenciários é especialmente elevado. A despesa para empregar um trabalhador de salário mínimo na França, por exemplo, é o dobro dos Estados Unidos. As barreiras contra o trabalho em tempo parcial, subcontratado e terceirizado, juntamente com a rigidez para contratar e descontratar, de acordo com o FMI, tem uma enorme influência na baixa geração de emprego naquele país.

Ao analisar a situação dos países em desenvolvimento, os estudos do FMI mostram que a maioria das nações possui proteções legais bastante abrangentes. Entretanto, a obediência é mínima. Por isso, aqueles países exibem um mercado de trabalho bastante flexível, baseado no não cumprimento de proteções irrealistas, surgindo, assim, a flexibilidade selvagem do mercado informal.

No Brasil, mesmo em anos de bom desempenho da economia, para cada 100 empregos criados, 80 são gerados no mercado informal.

Como se vê, o FMI parece perseguir a linha da liberação das amarras das instituições do mercado de trabalho em geral, enquanto que o Brasil parece restringir a reforma trabalhista à reformulação da organização sindical e da justiça do trabalho.

é claro que os sistemas de relações do trabalho não são transplantáveis e nem se pode pretender que a análise de um país sirva de receita para outro - muito menos quando esta vem do FMI. Nem se pode reduzir o desemprego às instituições do trabalho. Mas, seja qual for o sistema a que se pretende chegar, será importante preservar a sua lógica interna. Se é para fortalecer a negociação, que se dê algo para os negociadores negociarem.


(*) Jeffrey R. Franks, Explaining Unemployment in Spain, FMI, 1994; Ramana Ramasway e Eswar Prasad, Labor Market Reforms in the United Kingdom, FMI, 1994; Dimitri G. Demekas, Labor Market Institutions and Flexibility in Italy, FMI, 1994; Reza Moghadam, Why is Unemployment in France so High?, FMI, 1994; Pierre-Richard Agénor, The Labor Market and Economic Adjustment, FMI, 1995.