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Publicado em O Estado de S. Paulo, 19/09/2006.

O que será do paraíso dos empregos?

Já foi um tempo em que o setor automobilístico era o paraíso dos empregos e dos bons salários. Hoje, as montadoras oferecem "planos de demissão voluntária", como é o caso da Volkswagen do Brasil no recente acordo firmado com o sindicato dos metalúrgicos que prevê o desligamento de 3.600 operários ao longo dos próximos 18 meses.

Para José Lopes Feijóo, presidente do sindicato, a assinatura desse acordo deve ter sido a mais espinhosa decisão de toda a sua carreira de dirigente sindical.

Isso vem acontecendo com seus colegas em vários países do mundo porque o setor automobilístico passa por uma grave crise, que pode ser caracterizada pelos seguintes indicadores: (1) a competição entre as montadoras globalizou-se inteiramente; (2) há um excesso de oferta de carros e de marcas que vem sendo agravado pela entrada acelerada dos automóveis da China no mercado mundial; (3) o crescimento de vendas nos Estados Unidos, Europa e Japão nos últimos anos foi de apenas 2%, enquanto que o da China foi de mais de 8% anuais; (4) o alto custo da gasolina deslocou a demanda para carros mais econômicos e criou problemas graves para as fábricas dos grandes "beberrões"; (5) a capacidade de utilização e o lucro dessas fábricas têm sido declinantes, pois operam com custos fixos muito altos; (6) na maioria das empresas, o custo do trabalho tornou-se exagerado em função de negociações generosas e realizadas nos tempos das "vacas gordas"; (7) passaram a ter vantagens as empresas que produzem automóveis de menor consumo de gasolina e de boa qualidade, como algumas fábricas do Japão, Coréia e, recentemente, China.

O que fazer diante de um quadro tão aflitivo? As estratégias têm sido as mais variadas.

1. No início, empresas do norte dos Estados Unidos, mudaram-se para o sul, onde os custos de produção eram mais baixos, inclusive salários e benefícios. Mas ali encontraram instaladas empresas japonesas e coreanas que trabalhavam com custos ainda menores. A estratégia não resolveu os problemas, a ponto das três grandes montadoras dos Estados Unidos estarem amargando prejuízos colossais. A Chrysler perderá cerca de US$ 600 milhões em 2006; a Ford já perdeu mais de U$ 1,5 bilhão nos primeiros meses do ano e deve fechar 2006 com um prejuízo de US$ 6 bilhões; a General Motors perdeu US$ 10,4 bilhões em 2005 e corre o risco de repetir o fiasco em 2006.

2. Uma outra estratégia das empresas é a de fechar fábricas e despedirem empregados. A Ford fechará 14 fábricas e demitirá cerca de 75 mil funcionários. A GM encerrará suas atividades em 11 unidades e despedirá 113 mil operários. A Chrysler, sem anunciar números, está considerando a mesma estratégia. A Fiat, na Itália, cortou 15% dos empregos em 2005. No início de 2006, a Volkswagen e a DaimerChrysler, da Alemanha, anunciaram a mesma decisão.

3. Uma outra medida salvacionista é a de mudar as fábricas para países de custo mais baixo, em especial para a China e Leste da Europa, deixando para trás os sindicalistas e os desempregados assim como as seqüelas destruidoras nas economias locais, o que cria novos focos de desemprego.

4. Uma quarta estratégia é a de renegociar os contratos de trabalho, reduzindo salários e benefícios, ampliando jornadas, trabalhando aos domingos e feriados e usando mais intensamente o capital fixo. Tais expedientes, evidentemente, deprimem o padrão de vida dos trabalhadores.

Todas essas estratégias estão sendo implementadas ao mesmo tempo. Os sindicatos têm sido impotentes para estancar as mudanças, maculando sua imagem e perdendo filiados. Estima-se que na DGB, maior central sindical da Alemanha, o último operário filiado entregará sua carteirinha de sócio em 2020 (The Economist, "There is life in the old dinosaurs yet", 18/02/06).

A situação é dramática para os operários e para os dirigentes sindicais. No caso da Volkswagen do Brasil, a conduta de Feijóo foi dolorosa e inteligente, demonstrando uma grande maturidade no trato de transações difíceis. Usando sua larga capacidade de negociador, ele acertou com a empresa a melhor maneira de ceder alguns anéis para preservar os dedos. A Volks continuará no Brasil. Feijóo não foi perdedor e sim ganhador. Parabéns a ele.