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Publicado em O Jornal da Tarde,07/05/1997

O trabalho no McDonald’s

Você acha que para trabalhar num McDonald’s precisa ser qualificado? Muitos negam, argumentando que seus balconistas não precisam saber os preços do que vendem, pois os produtos e respectivos valores estão desenhados nas teclas das caixas-registradoras. E nem precisam saber aritmética, pois a despesa é totalizada automaticamente. Sua função é apenas passar o sanduíche e recolher o dinheiro. Só isso.

Esse exemplo é muito usado por aqueles que vêm as tecnologias "desqualificando" o trabalho. De fato, muitas tarefas são facilitadas pela automação. Mas, um exame mais acurado da questão mostra o contrário. Com o avanço tecnológico, aumenta cada vez mais a necessidade de qualificação.

O McDonald’s, com 20 mil lojas e 750 mil funcionários em 90 países, tem sido objeto de inúmeras pesquisas (Robin Leidner, Rethinking Questions of Control: Lessons from McDonald’s, 1996). A empresa padronizou tudo, desde o alface até o copo de papel, para, com isso, garantir qualidade e ter ganhos de escala.

Ray Kroc, o fundador do McDonald’s, em 1955, criou também a Hamburger University para pesquisar a questão do atendimento. Ali foram desenvolvidas técnicas para treinar atendentes e consumidores. Sim, "treinar consumidores" porque o McDonald’s, além dos sanduíches, vende uma nova experiência de compra para os seus "convidados" (nome dos consumidores na linguagem da empresa). Para tanto, era muito importante cooptá-los para também se comportarem de maneira padronizada.

O ambiente instiga essa padronização. O lay-out do balcão é sempre o mesmo. Os "tripulantes" (balconistas), homogeneamente uniformizados, mantém os cortes de cabelo e os penteados dentro de uma faixa de discrição e são padronizados ma maneira de falar e atender os convidados. O script, também padronizado, permite alguma variação. Mas, a cordialidade, o sorriso e a educação são ingredientes indispensáveis. Mesmo nos casos de convidados mais rudes, os tripulantes estão preparados para ajustar o seu comportamento às regras da casa.

Através da experiência vivida em cada loja e da propaganda, os convidados do McDonald’s aprendem a entrar na fila de forma ordeira. Fazem seus pedidos dentro de uma certa seqüência, solicitando primeiro o sanduíche e depois os acompanhamentos, bebida e sobremesa. E realizam uma parte do serviço que caberia à empresa fazer: carregam bandejas, localizam mesas, servem-se dos acessórios, recolhem despojos, limpam o que sujam e põem tudo no lixo. Colaboram com prazer.

Observe bem: Essa é uma sinfonia que tem uma partitura com vários pentagramas, onde cada um toca a sua parte na hora certa e de modo afinado. A cooperação entre tripulantes e convidados é essencial. A padronização dos dois lados é imensa. Isso requer treinamento e qualificação. O fato das máquinas registradoras fazerem o pedido e o cálculo da despesa não dá a uma pessoa analfabeta a condição para tocar naquela orquestra.

O avanço tecnológico e as novas formas de produzir tendem a qualificar a força de trabalho e não desqualificá-la. Isso vale para a maioria das atividades e tem muito a ver com o emprego. A empregabilidade é exatamente essa capacidade de se adaptar às mudanças, aprender continuamente, usar o bom senso, ter lógica de raciocínio, ser versátil e, sobretudo, ser capaz de transferir conhecimentos de uma área para outra.

Esteja certo de uma coisa: você jamais se arrependerá de ser qualificado(a). Lembre-se que mais de 90% dos postos de trabalho eliminados no Brasil entre 1994-96 eram ocupados por pessoas sem o primeiro grau completo. O mundo do futuro já chegou. é o mundo da educação.