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Publicado no Jornal da Tarde, 02/05/2001

Cotas para estudantes

O governador Antony Garotinho enviou um projeto de lei à Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro destinando 50% das vagas das universidades estaduais fluminenses a estudantes da rede pública. Outros governadores estão imitando a iniciativa. Tais projetos visam assegurar oportunidades de estudo aos filhos das famílias mais pobres e que não têm condições de se preparar em cursinhos e aulas particulares.

No nível nacional, um projeto semelhante, apresentado pelo Senador Antero Paes de Barros (PSDB/MT) já foi aprovado no Senado Federal e começa a ser discutido na Câmara dos Deputados. O objetivo é o mesmo: assegurar as vagas hoje, para melhorar a distribuição de renda amanhã.

O tema é explosivo. A estratégia já foi usada em outros países, sempre provocando discussões apaixonadas. Nos Estados Unidos, por exemplo, a Lei dos Direitos Civis, aprovada em 1964, proibiu a discriminação baseada em raça, cor, sexo e nacionalidade nas instituições que recebem recursos federais e instituiu estímulos para incluir nas universidades e no emprego os integrantes daqueles grupos.

O debate em torno da aplicação dessa lei foi e continua sendo acalorado. O caso mais famoso foi o de Allan Bakke, estudante, branco e que, apresar de um ótimo curriculum e notas acima da média dos candidatos, foi barrado, em 1973 e 1974 pela Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia (em Davis) que havia reservado 16% das vagas para as minorias raciais, em especial, a dos negros (Howard Ball, The Bakke Case, University Press of Kansas, 2000).

O estudante entrou com uma ação contra a Universidade da Califórnia, argumentando que o bloqueio violou a Constituição dos Estados Unidos que manda tratar todos os cidadãos de maneira igual. Ao ver nos bancos da faculdade colegas com pior histórico escolar, argumentou ser vítima de discriminação por ser branco.

O rumoroso caso percorreu todas as instâncias da Justiça, indo parar na Suprema Corte dos Estados Unidos. Mesmo ali, apesar dos ministros terem aceito a tese da discriminação invertida e ordenado a matrícula do aluno naquela faculdade, houve muitas discordâncias. De um lado, surgiu o reconhecimento da necessidade de se ajudar a remover as desvantagens dos grupos minoritários. De outro, advogou-se a necessidade de se respeitar igualdade de direitos e se atrelar a escolha de alunos única e exclusivamente ao seu desempenho escolar. Era importante manter a qualidade do ensino superior do País, pois inúmeros integrantes de minorias "encaixados" nas universidades deixavam o curso no meio, por falta de preparação adequada.

Nas pesquisas de opinião pública, a maioria dos americanos se manifestou, sistematicamente, contra os programas de privilégio, tanto na educação como no trabalho. No período de 1981-93, os Presidentes republicanos (Ronald Reagan e George Bush) fizeram de tudo para acabar com a garantia legal de vagas para os grupos destituídos. O Presidente Bill Clinton, apesar de favorável ao Programa de Igualdade de Oportunidades, solicitou de uma comissão de alto nível, sugestões para o seu aperfeiçoamento que, na prática, redundou em recomendações que afastam por completo os conceitos de cota, privilégio e tratamento preferencial.

No Brasil, a nossa cultura tem forte conotação paternalista. Achamos sempre "natural" criar exceções para ajudar os mais fracos e, com isso, acabamos criando novos focos de conflitos que acabam prejudicando todos os envolvidos.

No caso das universidades, a política mais sensata é a de conceder bolsas de estudo e forte reforço educacional aos estudantes de segundo grau que necessitam de tal ajuda para que, munidos de competência, possam disputar com sucesso as vagas das nossas faculdades. Sei que isso parece estranho à nossa tradição cultural mas, certamente, é a maneira mais direta de atacar o problema na sua raiz. O resto é populismo.