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Publicado no Jornal da Tarde, 05/07/2006.

Dentadura e bolsa família

Quanto era menino, meu pai contava que no interior de São Paulo os candidatos davam ao eleitor o pé esquerdo de um par de sapatos para dar o direito depois do voto garantido.

Na minha adolescência, observei a mesma prática no nordeste, com variações pitorescas. Em alguns lugares, dava-se a dentadura de cima antes da eleição para dar a debaixo depois do voto certo.

Todos sabem que na zona rural o endividamento dos colonos nos armazéns das fazendas era generalizado. Os coronéis fazendeiros faziam questão de manter os trabalhadores endividados e dependentes para serem explorados no trabalho e seduzidos no voto. Em épocas de eleições, ofereciam-se regalias como brinquedos para as crianças, bebida para os adultos e roupas para os mais velhos – tudo em troca do voto. O importante era manter a dependência. O que menos interessava era a liberdade dos trabalhadores e eleitores.

Passaram-se 70 anos, o mundo deu tantas voltas, o homem foi e voltou à lua, e a dependência continua. Mudou apenas o objeto do garroteamento. Antes era sapato, dentadura, brinquedos, guloseimas, etc. Hoje é bolsa-família. Os beneficiários dependem da generosidade dos políticos de plantão. O que menos interessa é que os eleitores passem a ganhar a vida com base em um trabalho produtivo e com liberdade de mudar de um canto para outro em busca de condições melhores.

O atrelamento à bolsa-família, cesta básica e outros quitais virou uma estratégia fundamental para quem deseja ganhar as eleições hoje e contar como o mesmo eleitor-dependente nas próximas campanhas. Resta saber quem vai pagar essa conta, e por quanto tempo. Quem viver, verá.