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Publicado no Jornal da Tarde, 15/09/2004.

Romances financiados

Você já ouviu falar de países onde os governos pagam para as pessoas namorar? Pois isso está acontecendo nas nações que envelheceram demais e onde as mulheres não querem saber de ter filhos.

O Japão é o caso mais eloqüente. Há mais de dez anos o governo vem apoiando campanhas para convencer as moças a procriar. Em 1950, cada mulher japonesa tinha 3,6 filhos em média. Hoje, têm menos de um. Isso está assustando os demógrafos pois a população daquele país encolhe a cada dia. Daqui a uns vinte ou trinta anos, o Japão terá de fazer importações maciças de seres humanos. Será uma nação sem povo.

Os estímulos à procriação têm sido os mais diversos. Para as mulheres que trabalham, o sistema previdenciário do Japão oferece uma licença maternidade de quase um ano para as mães cuidarem dos bebês. Licenças generosas são concedidas também aos pais dos recém-nascidos. Mas nem assim as moças querem engravidar.

Esse é um problema sério de muitas sociedades. Para uma população ficar estável, a taxa de fecundidade precisa ficar em torno de 2,1 filhos por mulher, em média. As italianas de hoje, por exemplo, têm apenas 1,7 filho em média. O quadro é preocupante. Na Província de Laviano, no sul de Nápoles, nasceram apenas quatro bebês em 2002. Em 1970, a cidade tinha 3 mil habitantes. Hoje tem apenas 1.600. O governo local está oferecendo um prêmio de 10 mil euros (R$ 37 mil) para quem se dignar ter um filho. E nem assim as moças se animam.

Na Austrália, o governo está oferecendo US$ 2 mil (R$ 6 mil) por bebê. Nas televisões de Canberra, Sydney e Melbourne assiste-se a uma campanha dirigida aos moços e moças cujo slogan é o seguinte: "Vão para casa e façam o seu dever patriótico hoje à noite" (Donald G. McNeil, Jr., "A bomba demográfica não vai explodir", in O Estado de S. Paulo, 05/09/2004).

No Japão, depois de vários programas fracassados, o governo passou a atuar de forma mais precoce, oferecendo um cruzeiro marítimo para os casais de jovens se divertirem a ponto de se animarem a conceber um bebê. É a era dos romances financiados. O programa é novo e ainda não se tem resultados concretos. A primeira vista, porém, as moças estão gostando mais do divertimento do que da concepção.,,

As razões dessa resistência são conhecidas. O trabalho da mulher fora do lar, tornou sua vida mais difícil. O divórcio e as separações deixaram muitos lares chefiados por mulheres. As despesas com saúde e educação aumentaram muito. As famílias urbanas - hoje em maioria - já não dependem tanto do trabalho das crianças como dependiam as famílias rurais. Finalmente, os métodos anticoncepcionais tornaram-se muito eficazes.

E o Brasil está fora dessa tendência? Nada disso. Estamos na mesma trajetória. É questão de tempo. Em 1960, as mulheres brasileiras tinham, em média, seis filhos. Hoje têm 2,31 e, a partir de 2023, terão menos de dois filhos por mulher - o que não é suficiente para repor a população.

Esses são os dados da recente revisão das estimativas populacionais realizada pelo IBGE. Em 2050, a vida média dos brasileiros será de mais de 81 anos e a proporção de jovens em relação aos mais velhos cairá.

O Brasil está indo para o mesmo caminho do envelhecimento de sua população. É claro que ainda é cedo para se cogitar de políticas de estímulo à concepção. As desigualdades sociais reinantes mantêm uma taxa de fecundidade muito mais alta do que a média entre as mulheres de baixa renda. Políticas desse tipo poderiam gerar mais problemas do que soluções. Ademais, é entre as famílias de baixa renda que mais incidem os domicílios chefiados por mulheres.

No momento, a futura explosão dos grupos de idade avançada (acima de 60 anos) demanda a reformulação imediata das políticas públicas nas áreas de saúde e previdência social. Uma população mais velha demanda mais cuidados médicos e mais amparo previdenciário para os anos a mais que vai viver.

O romance financiado ainda está longe do Brasil. Os jovens interessados nesse generoso benefício terão de esperar uns 30 anos - a menos que se mudem para o Japão, Itália ou Austrália...