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Publicado em O Jornal da Tarde,08/03/1997

Mentirosos profissionais

O que é um mentiroso profissional? Essa pergunta admite várias respostas.

Um mentiroso profissional pode ser aquele que conta mentiras bem contadas - com pose e convicção. Pode ser também o que conta muitas mentiras - economizando verdades. Mas, pode ser ainda a pessoa que, por força de sua profissão e/ou de circunstância, é levada a mentir (Alan Ryan, "Professional Liars", Social Research, 1996).

Por exemplo, o ministro da fazenda que prepara uma desvalorização da moeda, se perguntado, dirá que isso é falso. Um médico que atende a um doente desenganado, se indagado, dirá a ele que vai melhorar. Se o bandido me perguntar aonde está a vítima que ele pretende matar, direi que ela viajou para a Groelandia.

Estou aqui dizendo que determinadas profissões e situações dão às pessoas o direito de mentir e omitir a verdade. Mas, em que se baseia esse direito?

Para não entrar em complicações filosóficas, digamos que a mentira se justifica quando ela ajuda o próximo. O ministro que mente, evita perdas (e ganhos) especulativos. O médico, visa o conforto do moribundo. Os que escondem as vítimas visam evitar um mal maior.

Mas, o direito de mentir não é generalizável. Como a mentira, a verdade também tem a sua hora e lugar apropriados. A sociedade espera que políticos, médicos e os cidadãos em geral sejam pessoas honestas nas situações em que a verdade é demandada - e não a mentira.

Isso significa que a simples troca de situação pode exigir o trânsito imediato da mentira para a verdade. Insistir na mentira quando a situação requer a verdade, é grave. Um mágico no palco mente, mas, ali, sua mentira é cabível e aceita. O público quer isso. Mas, quando o Uri Geller disse certa vez, fora do palco, que seus truques não eram mágica - a sua mentira foi fortemente repudiada.

As mentiras, nos ambientes dos malandros, são fartas e frequentes. Por isso, eles se dão mal quando tentam mentir em situações que exigem verdade.

O ex-deputado João Alves, por exemplo, no seu "ambiente de trabalho", justificava sua fortuna dizendo que ganhou 200 vezes na loteria - e isso era aceito por quem negociava com ele. Mas, ao dizer na CPI do Orçamento, que sua sorte resultava de uma "linha direta" que tinha com Deus, ele subverteu o bom senso de toda a nação. (A propósito, cadê o dinheiro?)

O mesmo tipo de ofensa ocorreu na CPI dos precatórios, em 1997, quando um dos laranjas disse ter o costume de assinar cheques em branco. No momento em que tentou convencer os parlamentares que assinou 250 cheques em branco por pura inocência, ele agrediu a inteligência da platéia. Pegou mal. Muito mal.

Que essas pessoas façam suas mágicas perante o seu público, problema delas. Mas, querer dar uma de Uri Geller perante 150 milhões de brasileiros, é demais. Elas têm de entender que não é possível mentir a todos o tempo todo.

Como garantir a verdade quando a situação não comporta a mentira? Além da boa educação e de valores morais sadios, a sociedade precisa de mecanismos institucionais que elevam o custo da mentira. Nesse terreno, punir é essencial - a punição desestimula a mentira inadequada.

Na CPI dos precatórios, surgiu logo aquêle inconfundível cheiro de pizza. Se isso ocorrer, os nossos parlamentares, governantes e juízes estarão estendendo indevidamente o direito de mentir. Tungar o povo é grave porque, além de encarecer a administração, deteriorar os serviços públicos e dilacerar os valores morais, só ajuda os mentirosos - e nunca o próximo.