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Publicado no Jornal da Tarde, 12/11/2003.

A revolução na família

A coisa está séria. De um lado, cresce o número de mulheres que não querem ser esposas. De outro, o do número de homens que não querem ser maridos. Ao lado disso, expandem-se os movimentos dos pais e das mães que decidiram criar filhos sem companheiros, assim como os que buscam uma produção independente para ter a criança e se livrar do convívio diário com o co-produtor, sem falar na explosão dos casais de gays e lésbicas, muitos dos quais, adotam crianças.

A família convencional está em xeque. É uma nova revolução demográfica. Os Estados Unidos, que são especialistas em reunir estatísticas meticulosas, acabam de examinar essa revolução em profundidade. Os números do Census Bureau são impressionantes. Cerca de 33% das crianças são filhas de pais isolados e vivem em domicílios com apenas um deles. Outros 10% vivem com dois adultos mas nenhum deles é pai ou mãe da criança. E, com freqüência, são pessoas do mesmo sexo ("Unmarried America", in Business Week, 20/10/2003).

O que aconteceu com a tradicional união entre homem e mulher que se encarregavam de procriar, dar à luz e criar seus filhos?

Casais formados por homem e mulher, com filhos, que no início do século XX dominavam 100% dos domicílios americanos, hoje em dia, são apenas 25%. É uma mudança brutal. Para 2010, estima-se que essa proporção cairá para apenas 20%. A mulher não quer ser esposa e homem não quer ser marido, embora muitos desejem ser pais.

O que dizer dessa revolução? Isso tem enormes implicações para a vida social e para as instituições. A atomização da sociedade em subgrupos de laços frouxos incentiva os interesses pessoais e torna as pessoas mais egoístas, fazendo das crianças as grandes vítimas. Muitos argumentam que essa revolução está criando novas instituições. É verdade. Nunca se abriu tantas creches como nos dias atuais. Ao lado disso, nota-se uma extensão contínua das licenças para pais e mães por ocasião da chegada dos filhos - biológicos ou adotivos. Aumenta cada vez mais o número de empregos em tempo parcial para acomodar o trabalho com a família, e assim por diante.

Mas nada disso é implantado impunemente. São programas que sobrecarregam os orçamentos públicos e levam uma boa parte dos orçamentos familiares. E, apesar das despesas adicionais, os novos arranjos entre os adultos têm vida curta. Fazem-se e desfazem-se com a mesma facilidade. E nenhum deles consegue substituir, a contento, o afeto que caracteriza a vida entre filhos e pais em lares estáveis.

Ou seja, a aludida convulsão demográfica está custando mais cara e gerando relações mais frouxas. Além disso, surgem desgastes para os próprios adultos. Há empresas que pagam benefícios a companheiros ou companheiros dos empregados não casados. Mas há outras que rejeitam tal política. Sem benefícios colaterais, tudo passa a depender da previdência pública. É ilusório pensar que pessoas sozinhas dão menos despesas aos serviços públicos. Os dados mostram que, quando envelhecem, elas tendem a ficar isoladas e caindo no colo do Estado.

No Brasil, passam de 25% o número de domicílios que são chefiados só por mulheres, a maioria das quais trabalha fora de casa e deixa as crianças aos cuidados de outros. Dentre as crianças brasileiras de 0 a 6 anos que vivem em domicílios chefiados por mulheres, estas têm rendimento que varia de meio a dois salários mínimos.

Se considerarmos apenas os idosos (60 anos ou mais), cerca de um terço dos domicílios do Brasil são chefiados por mulheres. Há ainda 10% dos domicílios do Brasil que são habitados por um só adulto, sendo que, entre os idosos, essa proporção chega perto dos 20%. A maioria desses casos é constituída por mulheres viúvas. Sim porque os homens, quando ficam viúvos, em geral, recasam. As mulheres, não recasam e, como se sabe, vivem mais tempo. Ou seja, têm uma solidão prolongada. Para cada 100 mulheres de 80 anos ou mais, há apenas 60 homens. Dentro de 20 anos, o número de homens nessa faixa etária cairá para 50, porque o número de mulheres aumentará ainda mais.

É claro que a nossa revolução demográfica ainda não atingiu a amplitude do que ocorre nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos. Mas a família brasileira passa por profundas transformações, causando as mesmas despesas adicionais que ocorrem em outros países. O grande desafio do século XXI é saber se os seres humanos serão capazes de encontrar um substituto eficaz do ponto de vista econômico e social para a velha instituição chamada família e constituída por homens, mulheres e filhos.