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Publicado em O Jornal da Tarde, 10/03/1999

Recusa de procriar

O que fazer com moças que não querem ter filhos? Esse é o drama do Japão. Naquele país, o envelhecimento está sendo mais rápido do que em outras nações. As pessoas com mais de 60 anos já somam 20%. No ano 2010 serão 30%.

A vida média, hoje de 76 anos para os homens e 83 para as mulheres, passará, naquele ano, para 78 e 85 anos, respectivamente. Os jovens japoneses estão rareando.

As mulheres desistiram de ter filhos. Em 1950, cada mulher tinha em média, 3,6 filhos. Hoje, apenas um (Tadashi Nakamura, Employment Policy-Mix Toward 21th Century, 1998).

A situação é grave. Os demógrafos estão assustados. Se tudo ficar como está, o Japão está ameaçado de se transformar, no longo prazo, numa espécie de nação sem povo – a grande maioria será composta de imigrantes.

O governo tem feito de tudo para convencer as moças a engravidar. Elas não querem.

Já foram tentados vários incentivos de ordem econômica. Nenhum conseguiu sensibilizar as japonesas. O trabalho fora de casa, a pequenez das moradias, o percurso de grandes distâncias e a precariedade da aposentadoria são citados como desestimulantes da procriação. Agora, com a recessão, as coisas pioraram.

Se a situação é séria nos dias atuais, ela será dramática nos próximos 30 anos. Os poucos jovens existentes não darão conta de sustentar a imensidão de idosos. A previdência será ainda mais precária.

Nós próximos 30 anos, no Japão, os poucos jovens existentes não darão conta de sustentar a imensidão de idosos

Porcentagem do pessoal que se aposenta e tem mais

de 25 anos de trabalho na mesma empresa

Empresa

Total das empresas

Setor industrial

Outros setores

Total

48.8

54.1

44.9

Grandes

76.7

79.3

74.1

Médias

46.1

51.4

42.6

Pequenas

25.7

26.6

25.2

Fonte: Ministério do Trabalho do Japão, 1998

No campo trabalhista, a situação é igualmente difícil. Com a recessão, como continuar cm postos de trabalho vitalícios preenchidos por idosos?

Será que isso vai virar de pernas para o ar, fazendo o mercado de trabalho do Japão assumir o estilo americano onde a vitaliciedade é vista como um estorvo? Como ajustar isso a uma cultura que valoriza a segurança?

Essa reviravolta parece pouco provável. No Japão, o ajuste trabalhista está se fazendo por outras vias.

Em primeiro lugar, a incidência da vitaliciedade tem sido exagerada. Menos da metade dos empregados que se aposentam trabalharam na mesma empresa por mais de 25 anos (ver tabela), Na grande empresa isso chega a 77%, é verdade. Mas, nas médias, cai para 46% e nas pequenas, 26%.

Mas, com a recessão e aumento do desemprego (que ultrapassa a casa dos 4,5%), não seria lógico acabar com a vitaliciedade?

Não é assim que pensam os japoneses. O ajuste via dispensa de empregados tem sido raro – menos de 2%. Outros mecanismos estão sendo utilizados. Em 1998, cerca de 8% dos trabalhadores foram transferidos para outras empresas (filiais, sucursais, parte da "holding", etc.); 45% tiveram redução de horas extras; muitos aumentos negociados foram suspensos; inúmeros trabalhadores passaram a trabalhar em outras ocupações. Ao lado disso, cresceu velozmente o trabalho em tempo parcial e por prazo determinado, especialmente para os ingressantes no mercado de trabalho.

é bem provável que o Japão venha a manter a vitaliciedade e ampliar os demais mecanismos de ajuste. A combinação do sistema de rotação de mão de obra altamente qualificada dentro das empresas com o sistema de bônus atrelados à produção, vendas e produtividade dá ao mercado japonês uma flexibilidade invejável – e isso está sendo muito importante nesta quadra de crise.

Na verdade, o Japão está enfrentando melhor o desafio trabalhista do que o demográfico. Nos dois casos pesa muito a tradição cultural. Mas, no campo da demografia, parece que o Japão terá de fazer transformações de muito maior profundidade para convencer as moças a voltar a procriar. Dentre elas estão uma aposentadoria mais compensadora e uma substancial melhoria das condições de trabalho da maioria das mulheres.

Que diferença do Brasil! Aqui a fertilidade ainda é de quase 7 filhos por mulher, no grupo das analfabetas; o mercado de trabalho não dá conta de absorver os jovens; a Previdência está quebrada; e as nossas instituições trabalhistas ignoram todas as transformações que ocorrem na produção e no comércio. Temos um longo caminho pela frente.