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Publicado em O Jornal da Tarde, 11/09/1996

A lealdade no trabalho

O que é fascinante no estudo dos sistemas de relações de trabalho é que eles são significativamente diferentes uns dos outros. Cada um tem a sua personalidade - enraizada nas profundezas da história e da cultura do povo.

é intrigante verificar que em um mundo que se internacionaliza tão velozmente, esses sistemas se mantém "nacionais". A nossa CLT já completou meio século. Em lugar de mudar, grande parte dela foi promovida: passou a morar no castelo da Constituição da República.

Até que ponto as forças da cultura e da história resistirão à força da competição e da globalização?

Para Masanori Hashimoto, especialista no assunto, cultura, história e economia andam juntas. Examine o exemplo abaixo.

O trabalho no Japão se baseia em pouca rotatividade e muita lealdade dos empregados para com a empresa. Nos Estados Unidos dá-se o inverso: há muita rotatividade e pouca lealdade.

A administração de um sistema de alta lealdade exige um imenso investimento no cultivo da harmonia entre empregados e empregadores. é preciso conversar continuamente, no trabalho e fora dele, o que demanda uma colossal quantidade de tempo e dinheiro pois, afinal, "time is money".

Mas, dentro das tradições culturais do Japão, onde a empresa é uma extensão da família, esse investimento compensa. Custaria muito mais caro para os japoneses fazer o contrário, ou seja, tentar manter a referida extensão num sistema de alta rotatividade e baixa lealdade.

Nos Estados Unidos, onde predomina o individualismo, a família tem pouco a ver com o trabalho. Investir tempo e outros recursos para se garantir baixa rotatividade e alta lealdade não compensa. Seria um contra-senso em face de uma meta cultural inexistente.

Os referidos custos, portanto, têm seu respectivo valor fixado culturalmente. São os "custos de transação". Nos dois países as empresas buscam eficiência, eficácia e boa qualidade de trabalho. No Japão, isso é feito em consonância com a lealdade. Nos Estados Unidos, na base da competição. Um curriculum vitae que registra a passagem por várias empresas, para os japoneses, é sinal de deslealdade; para os americanos, é indicador de experiência.

Os custos de transação estão geralmente embutidos em outros custos. Por exemplo, em uma consulta médica, troca-se atenção por dinheiro. Do lado do médico, a atenção envolve tempo dedicado aos aspectos técnicos, às ladainhas do doente queixoso e ao necessário apoio emocional. Do lado do paciente, o custo envolve os honorários pagos, o tempo de locomoção, a expectativa de apoio e as demais despesas da consulta. Eles só repetirão os seus encontros se tais custos compensarem.

No Brasil, muitos criticam o corporativismo, a contribuição sindical, os juizes classistas e os excessos do poder normativo da Justiça do Trabalho - inclusive eu. Mas, é bom lembrar que, além de resolver conflitos, esses mecanismos constituem os alicerces de uma enorme comunidade de interesses profissionais, econômicos e políticos.

Remover a parafernália do atual sistema de relações do trabalho levará os atores a comparar custos administráveis com custos de um regime mais negocial no qual os impasses são resolvidos entre eles e mediante um grande investimento de tempo e outros recursos.

Será que todos querem isso? Acho que não. Penso que a maioria dos atores continua derivando benefícios de um sistema tido como lento e emperrado.

é evidente que os custos de transação não são estáticos. O que é barato hoje pode se tornar caro amanhã. No caso brasileiro, tudo indica que o sistema atual continua compensando para um grande número dos seus protagonistas. A transformação desse sistema, portanto, só vai se dar quando os custos de transação se tornarem realmente intoleráveis para essas partes. Quem viver, verá.